Acordei com você em mim, suando o teu corpo agora inexistente do meu lado. Preparei-me especialmente para você, afinal haveria de acontecer o sonho na realidade do meu dia. Preparei um vestido azul. Azul piscina. Dizem que azul é a cor da sorte (isto é o que dizia minha avó). Apostei no sonho e no azul. Abri a porta e saí. Torcendo... ensaiando palavras... gestos... frases... e tanto e tanto de coisas passaram por minha cabeça determinada e teimosa, que embaralhou emoções e descompassado tornou-se o meu coração..
O pensamento era um só quando cheguei ao trabalho e abri a minha sala: Ia começar a resolver assuntos pendentes, que são pendentes diários e constantes e... ah! Meu Rei... Ia procurar meu Rei! Tentei não criar expectativas quanto à isto e resolvi deixar o tempo correr um pouco e resolver quase tudo que havia ficado pendente do dia anterior. Mas a todo momento ao olhar o telefone lembrava que precisava falar com ele.
A porta da sala abriu-se: Alguém que queria algo que eu não estava com vontade de fazer. “Por favor, senhora, preciso da sua ajuda...”. Resolvi. Não tinha como não resolver. Se não o fizesse, o senhor bem comportado iria tornar-se um vulcão em erupção. Começava a espumar nos cantos da boca. Olhos maníacos esbugalhavam no rosto do ex-doce velho. Agora ele era louco. Insano. Por incrível que pareça os cabelos dele começavam a arrepiar, agora ele já parecia um porco-espinho. Deus! Se não resolvesse acho que ele certamente detonaria toda a sua fúria no meu reservatório de calma e... ah!... Meu Rei....
Peguei o telefone e liguei. Alguém atendeu do outro lado: “Aqui ele não se encontra, você já tentou ligar para a sala...” Já conheço esta história de “cor”! O que eu posso esperar de um homem repleto de obrigações, éticas e ordens a cumprir, tendo em seu currículum mil salas para entrar, sair, atender e perder-se em corredores em defesa humana levando consigo os seus olhos de águia e o sorriso magnético. Nas mãos a essência da cura, o Dom do Supremo. Nas palavras o coração firme e determinado, seguindo seu caminho com um anjo no coração acompanhando sua missão. Na voz.. a voz... seduz, induz, instiga .
Tentei outra sala e outra sala e outra sala, e resolvi: Ia direto lá, afinal de contas eu estava de azul (e minha avó sempre dizia que azul dá sorte) , e realmente para mim sempre deu. Incorporei tão forte esta convicção em meu subconsciente, que tudo deveria acontecer exatamente como em meu sonho azul.
De relance olhei para a porta de vidro e lá estava o rosto esperado e nesse momento pensei... Aliás nem pensei! Hipnotizada caminhei ao seu encontro. Só precisava te falar, olhar... mas tinha que manter a pose, afinal estava no trabalho em meio às naturais regras de disciplina e moralidade. O coração disparava: Ali estava Meu Rei! Olhos de águia e anjo coração.
Acompanhei-o à sala de café e fiquei de reencontrá-lo ali. Alguns instantes e teu rosto estava de novo em minha frente. Teu sorriso brilhou e o meu sonho agradeceu àquele instante. Agora éramos realidade. Eu – repleta de esperança azul. Você – coberto de sensualidade vermelha. Foi aí que me embolei...
- Você está linda! – Em seus dentes haviam estrelas pulsando – tomamos café e descemos. Meu corpo esquentava. Minha cabeça queimava. Minha pressão subiu. Acho até que levitei do teu lado.
Fui resolver mais algumas coisas e voltei à sala do Meu Rei. Eu queria falar tantas coisas, eu queria expor meus pensamentos e sentimentos, mas me peguei com ataque de pânico, sentindo-me completamente sem chão. Presa em minhas palavras abstratas e envolta em omissões. Descomposta. Disfarçada. Porque?.
Eu ia falar. Havia planejado, ensaiado... E você ali tão perto, com a boca molhada fizeram-me perder em baboseiras. Bem que eu tentei. Bem que eu queria. Mas só falava coisas que não eram as que havia ido para dizer. Falei do sol. De sonhos. De tudo que não precisava falar. De trabalho. Casualidades... Causalidade. Banalidades... Fatalidades... Porque estava tão idiota e não falava o que tinha que falar?. Porque tremi por dentro e por fora e escorreguei em minhas certezas, esquecendo das palavras sábias dos meus antepassados?
Foi passando o tempo e eu vendo meu tempo acabando e a garganta falhando. O que será que aconteceu comigo naqueles minutos?
“A comunicação é que faz as coisas acontecerem...” - Li certa vez algo assim mas não me lembro aonde – na minha certeza desfeita, não consegui aplicar essa regra básica do conhecimento humano.
Nos teus olhos haviam uma espécie de imã que prendiam os meus. Assisti o meu desconsolo e desconforto e por um momento, novamente, achei que iria conseguir e ainda tentei ensaiar novamente um recomeço antes que a tragédia em mim encontrasse o desfecho do nada.
Eu ia falar. Juro que ia falar. Mas o azul falhou. Não... não foi o azul da minha avó... Foi o descontrole em mim. Quem sabe amanhã vestirei novamente o azul. Um novo conto. Novo poema. Azul.
Levantei e me despedi, com um beijo raspado em tua boca molhada, levando mais uma vez o meu silêncio e o não entendimento de mim.
Azul...