Era uma enorme igreja. Uma catedral. Daquelas que fazem o ateu dizer: “Valeu a pena ter existido o cristianismo”. Escura e de atmosfera pesada, com anjos e santos por todos os cantos, e a luz tentando invadir tudo por pequenas frestas dos vitrais. Ao lado, majestoso, um órgão.
Uma moça, nas primeiras fileiras, chorava. Seus olhos se encharcavam, e soluços de dor se faziam ouvir por toda a catedral. Nas mãos, um terço de Nossa Senhora das Dores. No órgão, alguém tocava o “Crepúsculo dos Deuses”, de Richard Wagner. E assim, unindo a dor à música, pulsações de vida ecoavam naquelas paredes velhas e rijas.
Atrás da moça, uma senhora. Nada nas mãos. Apenas o olhar terno e afetivo na direção do crucificado. Em seu total e absoluto silêncio, deixava-se envolver pela atmosfera contemplativa do lugar. Suas roupas alvas, camisa fechada até o pescoço, saia até pouco abaixo do joelho, denunciavam: era uma freira.
Logo atrás, duas mulheres. O véu negro e o xale, mais negro ainda, davam a entender serem duas beatas, ratazanas de igreja, papa-hóstia. Murmuravam todo o tempo, desafinadas com o resto da catedral. Falavam da santidade que haviam alcançado, e da perdição do mundo. Traziam os bolsos cheios de santinhos. Liam todas as orações em latim. E pediam pela punição dos pecadores do mundo.
Um padre, jovem, embora feio, entrava no confessionário. A moça, ardendo em choros e lamentos, acompanhou-o.
— Padre, perdoa-me porque pequei.
— Diga, minha filha, qual o seu crime?
E ela começou a desfiar um rosário de culpas que, embora causa de seu desespero, para o padre não atingiam o status de “pecado”.
— Mais algo a dizer?
— Não, padre.
— Então vá em paz, minha filha. Você nada fez de tão horrendo assim.
— Mas padre...
— Siga seu caminho, minha filha.
— Ah, porque quis me esconder por detrás disso tudo? Porque não digo logo a verdade?
— Como?
E então ela confessou o que, de fato, a atormentava. Falou-lhe de seu amor pelo sacerdote, algo impossível de conter, mas também de se realizar. O seu choro e os soluços tornaram-se muito mais altos.
— O que será isso? perguntou uma beata.
— É o ardor do diabo!
— Aposto que aquela menina andou prevaricando por aí.
— Este mundo está perdido...
O sacerdote, por sua vez, manteve-se em sua calma de confessor e tentou consolá-la:
— Então é isso?
— Diga-me, padre, o que eu faço para evitar tal sentimento?
— Nada.
— Como, nada?
Ele corou. Queria dizer-lhe que sentia o mesmo, que poderia abandonar o sacerdócio e seus votos de castidade por ela. Mas se conteve e recuperou o decoro de padre. Disparou:
— O amor não é pecado. Bem sabe que não poderá consumar seus sentimentos, mas por que assassiná-lo? Deixe-o fluir. Afinal de contas, o próprio Deus é amor, minha filha.
— Estou absolvida, então, padre?
— Você não cometeu pecado. Mas se quer ouvir, eu digo que sim, minha filha. Totalmente.
Ela enxugou as lágrimas e saiu. Cruzou com a freira, que num olhar sorriu-lhe. Retribuiu o gesto e seguiu em frente. As beatas não puderam ver o seu rosto aliviado, tão preocupadas que estavam com a perdição.
O órgão encerrava os quartetos de Beethoven, repetindo o ditado alemão “Es muss sein” “Assim deve ser”. A catedral, imponente, continuava em sua atmosfera de total contemplação, que faz o mais ateu dizer:
— De fato, por estas igrejas valeu a pena ter existido o Cristianismo...