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Contos-->AGRADECIMENTO ( você acredita em anjo da guarda?) -- 02/09/2002 - 03:05 (CARLOS CUNHA / o poeta sem limites) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Deixo bem claro que, em cada ponto ou em cada vírgula deste conto, há total veracidade. Se nele eu teço elogios e chego quase a santificar uma pessoa é por sentir gratidão, viver em eterna dívida com ela e não ter como pagar. Todo o dinheiro do mundo não compra certas coisas mas às vezes, em total miséria e completamente necessitados nós a recebemos.
Obrigado Sra. Helena Tamita.


Setembro de 1997. Para ser preciso a viagem foi marcada para o dia vinte e três.
Não houve planos e preparativos demorados. Foi uma decisão repentina levada, pelas necessidades que eu e minha mulher passávamos.
Tinhamos um filho de alguns meses. Nosso trabalho,
como funcionários do estado, era de parca remuneração e estavamos sempre no vermelho.
Optamos por uma mudança radical. Pedimos a nossa exoneração. Alugamos a nossa casa, nos livramos de todos os nossos pertences, passamos a guarda do nosso filho, para que a avó tomasse conta, e marcamos a data da viagem.
Japão, ai vamos nós!!!


Sem trabalho, casa onde morar e com a data da viagem marcada, aconteceu um imprevisto. Minha esposa sentiu-se mal e foi ao médico.
Ele diagnosticou nela uma gravidez de alguns dias.
O que fazer, meu Deus?
Passei noites sem dormir pensando em uma solução.
Abortar a criança, foi esse o meu primeiro pensamento. Mas se nós fizéssemos isso, tenho certeza que o nosso casamento estaria destruido.
Conversei com a minha mulher:

- Meu bem, a nossa situação é desesperadora.
- Você acredita em Deus?

- Sim, eu acredito!!!

- Então, eu acho que só temos uma coisa a fazer. Irmos para o Japão e nos entregarmos nas mãos Dele.
- Se aqui ficarmos, seremos um peso para a família e estaremos na merda. Se formos, com a ajuda Dele, talvez à gente de à volta por cima e consigamos vencer.
- Só tem uma coisa. Se formos, nós estaremos indo para uma terra estranha onde estaremos sozinhos.
Sem amigos, parentes e sem amparo. Só você e eu, dependendo um do outro.
- Você está disposta a enfrentar tudo isso. Acha que tem forças para estar ao meu lado na hora de um aperto verdadeiro?

- Sim amor. Não há como voltar atrás.
- Vamos viajar e seja o que Deus quizer.
Eu estarei sempre ao seu lado.


Chegamos no Japão e ficamos como ciganos.
Trabalhamos quase um mês na primeira fábrica. Assim que perceberam a gravidez de minha mulher, estávamos desempregados.
Um novo emprego em uma nova cidade.
Vários empregos e novas cidades em um pequeno espaço de tempo.
No terceiro mês estavamos em uma cidade chamada Isezaki. Fui trabalhar em uma fábrica de alimentos. Ali eu sofri um acidente e quebrei o meu joelho.
Começou, então, as nossas agruras.


A empreiteira para qual eu trabalhava não nos podia tirar do apartamento, onde morávamos, mas para conseguir dinheiro para comprar um pacote de arroz, era necessário implorar.
Passei quase cinco meses com a minha perna engessada. Nesse tempo a gravidez de minha mulher adiantou e, quando finalmente recebi alta médica e poderia trabalhar, ela já estava em seu oitavo mês.
Ai então, o caldo entornou.


No mesmo dia a empreiteira que me contratara comunicou que não tinha trabalho para mim e que nós teriamos de deixar o apartamento em oito dias.
Imaginem. Eu estava desempregado e sem ter onde morar. Vivendo em uma terra estranha, sem amigos e com a minha mulher no oitavo mês de gravidez.
A criança ia nascer e nós não tinhamos dinheiro para o parto. Não tinhamos comida e em oito dias estariamos na rua.
O que fazer. A quem pedir ajuda?
Era desesperador.


Naquele dia eu dei centenas de telefonemas para empreiteiras tentando arrumar trabalho.
As respostas a esses telefonemas eram sempre as mesmas. Que não havia vaga ou então pediam o meu telefone para entrar em contacto caso algo aparecesse.
Nessa noite não conseguimos dormir. Minha mulher chorava o tempo todo e tudo o que eu podia fazer era pedir a Deus por nós. Eu tinha muito medo de que ela perdesse a criança.
O que seria de nós, meu Deus?
O segundo dia foi igual. Inúmeros telefonemas e só resposta negativa.
Em um deles - para uma agencia governamental que contrata trabalhadores diretos, sem a interferencia de empreiteiras - eu falei com uma pessoa que me pareceu atenciosa.
Contei a ela os meus problemas. Passei através da linha telefônica todo o meu desespero, mas tudo o que eu consegui foi um resultado igual. No final da conversa a pessoa me disse que o país estava em crise, estava difícil conseguir trabalho e pediu o meu endereço e o telefone para contacto.
Eu os dei pensando: "Merda, nada da certo. O que será de nós?".


Esse dia anoiteceu e a noite ao chegar trouxe com ela uma grande surpresa.
Eu e minha mulher estávamos calados dentro do apartamento, cada um curtindo a sua dor, e de repente o telefone tocou:

- Alô. Eu queria falar com o Sr. Carlos.

- Sim, sou eu mesmo.

- Eu sou a Helena da agencia governamental de empregos. O senhor me telefonou hoje à tarde. Estou procurando o seu apartamento.

- Dna. Helena?

Eu não sabia quem era. Haviam sido tantos os telefonemas que eu não me lembrava de nome algum.

- Sim. Helena da agencia de empregos de Ota, ela disse.
- Sei que estou perto do endereço que o senhor me deu. Só que não consigo acha-lo.

Olhei pela janela de meu apartamento e vi um carro parado bem em baixo dele, com uma mulher dentro. Eu disse:

- Sra. Helena. A senhora por acaso não está dentro de um carro assim, assim, assim?

- Sim. Eu estou procurando o seu endereço e não encontro.

- Eu a estou vendo. Aguarde um pouco que vou até ai.

Desci a escada em desabalada carreira. Fui até o carro que eu tinha visto pela janela e nele eu vi, pela primeira vez um anjo.
A pessoa que salvaria a vida da minha filha que estava para nascer e que mudaria tudo na minha.

- Sr. Carlos. Muito prazer. O senhor me telefonou hoje à tarde
e eu vim até aqui para ver se posso ajuda-lo.

Eu não sabia mas Deus atendera as minhas preces. Tinha enviado um anjo para me socorrer.


Ela foi comigo até o meu apartamento e lá ficou conosco mais de uma hora. Ouviu atentamente a minha mulher. Falou muito de Deus e conseguiu aliviar o nosso desespero.
Quando se foi nada prometeu. Só disse que tentaria nos ajudar. Que falaria com alguns amigos e veria se poderiam fazer algo por nós.
Naquela noite nós conseguimos dormir. Aquela senhora se foi mas nos deixou aliviados. Só a sua presença, naquela hora em que esteve conosco, nos deu paz e nos encheu de esperança.
Eu e minha mulher não acreditávamos que havia tanta bondade e que tinhamos recebido tanta atenção de uma pessoa totalmente desconhecida.


Tornou a voltar no outro dia e disse que fossemos com ela que queria nos apresentar a alguns amigos. Nos colocou em seu carro e nos levou até sua casa, na cidade de Oizumi.
Lá ela vivia com o seu marido e dois filhos adolescentes. Fomos recebidos por todos com muito carinho e consideração.
Isso foi em um sábado. Fez com que lá nós ficássemos para passar a noite e no domingo dedicou o seu dia para nós. Conseguiu fazer com que não pensássemos em nossas dificuldades, por todo o tempo, e nos tratou com carinho e amor.
Quando anoiteceu, ela nos convenceu a de novo dormirmos em sua casa. Disse que na segunda de manhã iria me levar para ver um trabalho e que seria mais fácil para ela se nós dormíssemos ali. Assim não precisaria ir me buscar pela manhã.


Na segunda-feira, ao invés de ir trabalhar, se dedicou a encaminhar a minha vida.
Levou-me a várias imobiliárias e quando encontramos um apartamento, que me convinha, ela foi minha avalista e tirou da bolsa o dinheiro necessário para pagar a luva - adiantamento pago na hora em que se faz um contrato imobiliário aqui no Japão, geralmente no valor de três meses do aluguel. Não me pediu para que eu assinasse recibo ou que lhe fornecesse alguma garantia por aquele empréstimo. Só me disse:

- Sr. Carlos. Quando estiver trabalhando o senhor me devolve esse dinheiro. Não tem pressa, me devolva como e quando puder.
- Por favor, agora o senhor se preocupe somente com a sua mulher e com a criança que ela vai ter. Tudo vai dar certo. Deus nunca deixa de estender as mãos para os necessitados, basta Nele acreditarmos.

Nesse mesmo dia ela me arrumou um trabalho, no qual eu permaneci por vários anos.
Alguns dias depois a minha filha nasceu. Eu estava no trabalho e a minha mulher foi levada para o hospital por essa senhora.
Ela esteve o tempo todo com a minha mulher. Foi quem lhe deu assistência como tradutora, apoio moral e muito amor.


Hoje, muitos anos depois, eu ainda estou em dívida com essa senhora. Muitos anos se passarão, a minha vida chegará ao fim, e eu nunca conseguirei pagar o que ela fez por nós.
Agora eu pergunto:

- Quem, além de Deus, colocou essa doce alma em meu caminho em uma hora tão difícil?


CARLOS CUNHA

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