Cláudio era bem novo e estava encostado na porta, observando os pares que dançavam. Era uma festinha em uma casa de família, muito comum naquele tempo. Recostada no outro lado da porta, ela, com seu rosto redondo e sua beleza diferente, semita, olhando para ele fixamente. Ele reuniu coragem e lhe perguntou quer dançar? Ao que ela respondeu sim, vamos.
Entraram com dificuldade na sala, muitos casaizinhos apertando-se uns contra os outros, ao som romântico de Ray Coniff. Começaram a dançar, bem juntinhos. Podia sentir a pele macia do seu rosto de encontro à sua e começou a se sentir excitado. Percebeu que ela também estava e sorria para ele, com a face ruborizada pela excitação. Dançaram bastante e foram depois para o alpendre, já bem suados. Fazia um calor danado na sala.
Bateram papo enquanto tomavam cuba-libres. Combinaram se encontrar alguns dias depois. Daí começou um namoro entre ele e Esther, era o seu nome. Transaram pela primeira vez dentro do seu carro, melhor dizendo, do carro do seu pai, um Fusca, que, na época, tinha um certo status.
A segunda transa foi em um motel, dos primeiros de Belo Horizonte, lá pelos lados da Pampulha. Davam-se muito bem na cama, já se sentiam enamorados. Depois da transa, conversavam. Cláudio tinha dificuldades de expor seus sentimentos, era muito tímido. Assim, conversavam sobre diversos assuntos, mas dificilmente sobre o que sentiam um pelo outro. Mas sabiam que estavam apaixonados, era o bastante.
-Esther, perguntou ele, você é judia mesmo, não?
-Sim, sou, ela respondeu. Porque?
-Por nada, algum parente seu foi parar em um campo de concentração? ele perguntou.
-Bom, a minha família vive no Brasil há muito tempo, mas já ouvi dizer que parentes nossos da Europa foram sim. Acho o Nazismo uma coisa horrível! ela comentou.
-Sim, sem dúvida. Um sistema fascista, ditatorial, e com um fundo de magia, ele falou.
-É mesmo? ela perguntou. Como você sabe disso?
-Li em "O Despertar dos Mágicos", de Louis Pauwels e Jacques Bergier. ele respondeu. Na verdade, a 2a Grande Guerra foi um embate entre dois tipos de pensamento e civilização. Um, como eu já disse, fascista e com base na magia pagã. O outro, aparentemente democrático, defensor da liberdade de expressão, baseado na ciência cartesiana, newtoniana, e no cristianismo, ele explicou.
-Porque você diz "aparentemente"? ela perguntou.
-Porque, na verdade, respondeu Cláudio, veja você que se os Aliados realmente defendessem esses valores, nunca teriam arrasado Hiroshima e Nagasaki com aquelas bombas atômicas, que mataram milhares de inocentes, a curto e a longo prazo, como você bem sabe. O Japão já estava à beira de se entregar, o mesmo sucedendo com a Alemanha e a Itália, os países do Eixo. Porque então aquele morticínio, aquele ato selvagem e insano? Para demonstrar poder e humilhar ainda mais os adversários, que já estavam com os seus territórios arrasados, e com milhões de baixas? perguntou Cláudio, se emocionando.
-E, depois, o assassinato do Kennedy, que foi um complô, pois sua política ia de encontro aos interesses dos grandes grupos que dominavam a sociedade, a mídia e a economia americana!
-E quanto às informações sobre os UFOs ou OVNIs, que são guardadas pelo governo norte-americano a sete chaves? indagou Cláudio. A França foi o único país ocidental a reconhecer, oficialmente, a existência dos OVNIs. Porquê os EUA não fazem o mesmo? indagou ele.
Esther o ouvia com atenção.
-É, pensando bem, você não deixa de ter suas razões, ela comentou.
Ela o beijou sensualmente, e transaram mais uma vez.
O namoro estava indo de vento em popa, apesar dos problemas de sempre, na família de um e de outro. Na família dele, as constantes discussões entre seu pai e sua mãe, girando sempre em torno da defesa intransigente que cada um fazia da sua própria família. Era o eterno problema, desde o início do casamento, ou até mesmo antes.
A sua mãe era prepotente e "dona da verdade" e, mais tarde, já bem idosa, confessaria para ele, seu filho, que o havia "deixado de lado", pois supusera que ele havia tomado o lado da família do seu pai.
O seu pai era super-protetor, muito emotivo, e sempre se deixava levar pelas decisões tomadas por sua mãe. Assim, sua mãe trouxe boa parte da sua família para morar com eles, em dois barracões nos fundos da casa, e em um pequeno apartamento ao lado desta.
Além disso, criou um sobrinho e uma jovem, por ela adotada. Essa jovem era vítima freqüente de surras impiedosas que a sua mãe lhe aplicava, ao fim das quais, ficava com o rosto horrivelmente deformado e com hematomas por todo o corpo. As vezes, chegava a urinar, quando estava apanhando.
Na família dela, os seus pais também não se davam muito bem. A sua mãe tinha, inclusive, um amante.
Aliás, por falar em amante, uma vizinha da família dele também possuía um, que era pai de um amigo dele de infância.
Havia um outro pobre coitado, já com uma certa idade, alto e claro, que subia muitas vezes a rua, bêbado de dar dó, e costumava urinar no passeio, não se importando se alguém estava vendo ou não. Parece que havia sido um importante advogado, mas acabara se entregando à bebida, devido, em grande parte, à sua mulher, que era uma horrível megera, diziam que era cafetina. O casal tinha uma linda filha, moça já, loura e com uma voz melodiosa.
No mesmo quarteirão em que Cláudio morava, havia também uma "casa de mulheres" ou "rendez-vous", como era então conhecida. Quando ele era bem pequeno, na época das festas juninas, ele, com seus amiguinhos, lançavam bombinhas no alpendre ou, até mesmo, dentro dos quartos (!), no andar de cima, pois tratava-se de um sobrado. O povo dizia que ali moravam umas "bruxas", daí esse comportamento agressivo contra a tal casa e suas moradoras, por parte dos meninos...
No entanto, mais tarde, ou melhor, nessa época de que estamos falando, Cláudio se tornaria assíduo freqüentador dos "rendez-vous" de Belo Horizonte. O seu pai lhe dava, toda semana, dinheiro para "afogar o ganso", como se costumava dizer.
Cláudio, então, costumava freqüentar o "rendez-vous" da Zezé, um dos mais famosos de Belo Horizonte, naquele tempo. Ia para lá nos sábados à tarde, quando a freqüência era muito pouca, e já tinha uma "amiga" com quem sempre transava, geralmente, duas vezes.
Mas havia outros "rendez-vous" de primeiro nível, ao lado do da Zezé: o da rua Uberaba, dois na rua Itambé, o da rua Manoel Macedo, o da rua dos Pampas, e muitos outros. As mulheres eram, na sua maioria, lindas, simpáticas e muito sensuais.
Bom, como eu dizia, o namoro com Esther ia de vento em popa. Costumavam, nos fins de semana, ir aos grandes e confortáveis cinemas, como o Metrópole, o Brasil, o Palladium, o Glória, o Amazonas, o Candelária, o Art Palácio, que só exibia filmes europeus, o Pathé, o Guarani, e muitos outros.
Esses cinemas, com o tempo, foram, um a um, desaparecendo, para dar lugar às atuais "salas de cinema multiplex", nos shopping centers. Muitos deles, inclusive, passaram a ser utilizados como templos de "igrejas de crentes", como se costuma dizer.
Mas, voltando ao nosso casal, Cláudio e Esther passeavam, iam a muitas festas, horas-dançantes (havia a do DCE, da Faculdade de Ciências Econômicas, da Faculdade de Direito, do Clube Belo Horizonte, do Clube Jaraguá, do Automóvel Clube etc), bailes. Possuíam a sua turminha de amigos e amigas com quem conviviam alegremente.
Mas... toda felicidade tem um fim (assim como toda tristeza).
Um belo dia, Esther lhe deu a notícia fatal: sua família ia se mudar para São Paulo, os negócios do seu pai não iam muito bem e em São Paulo havia uma imensa colônia judaica, com muitos parentes, que poderiam lhe ajudar. Os olhos dele se encheram de lágrimas quando ouviu a triste notícia. Abraçaram-se e beijaram-se, apaixonados.
Alguns dias depois, Esther se mudou, com sua família, para São Paulo.
O coração de Cláudio doía demais, e ele teve vontade de ir atrás dela, mudar para São Paulo, buscá-la, tantas idéias lhe vieram à cabeça, mas não conseguiu colocar nenhuma em prática.
E o tempo, como sempre, cura todas as paixões.
Tempos depois, ele estava com outra namorada, e acreditava que Esther, também, estivesse com outro namorado, lá em São Paulo.