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Contos-->A pança do Fernandinho -- 15/09/2002 - 09:55 (José Ricardo Mendes Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Augusto acordou cedo para ir ao trabalho, a patroa já estava a sua espera na cozinha de onde assistia de viés a TV que estava na sala.

Nem bem sentou à mesa e a patroa já lhe dá as primeiras notícias do dia. Rebelião em Bangu 1.

Augusto coloca o café na caneca, pega o pão com margarina e vai até a frente da TV. Com a mão esquerda segurando a caneca e o pão ao mesmo tempo ele ajeita com a mão direita as almofadas e os brinquedos deixados pelo filho Diego na noite passada ali no sofá.

As notícias são estarrecedoras, nada de novo, mais uma rebelião em presídios de segurança máxima.

Augusto sorve o café com os lábios cuidadosos, e volta a mastigar o pão que está em um canto isolado da boca. Com os olhos fixos e de olhar absorto no nada ele processa as informações, mas os olhos estão além das imagens captadas na TV.

Mais uma dentada no pão borrachudo e algumas mastigadas para em seguida isolar o conteúdo em um canto da boca e sorver mais um pouco de café. O pão está macerado em sua boca e os olhos continuam atentos às notícias. Incongruentes com os olhos estão seus pensamentos.

Súbito a patroa lhe chama da cozinha para lhe oferecer mais um pouco de café que ele descarta com um movimento lento e programado da cabeça.

Como de um sonho augusto desperta e olha seu relógio no braço esquerdo, algumas migalhas de pão são derrubadas no chão pelo movimento rotativo do pulso que ampara a mão que segura o último fragmento de pão.

Augusto se levanta segurando a caneca de café na mão direita e com a esquerda leva à boca o resto do pão borrachudo, em um movimento contínuo limpa as migalhas deixadas na calça. Vai até a cozinha.

- Vai querer levar mais um pedaço de pão Augusto, para comer no trabalho?- Pergunta a patroa que está lavando os restos da louça do dia anterior. O bule de café com o filtro de pano está em um canto da pia soltando uma fina linha de fumça que corre lento e que súbto
é sugada rapidamente por uma fresta da janela.

- Não, Miriam - fala Augusto, colocando sobre a mesa a caneca.

- Você viu que horror a rebelião, mataram um preso queimado lá dentro- Fala a patroa, atenta ao serviço que neste instante se resume a raspar com as mãos a espuma do detergente que está sobre a pia de pedra.

E Augusto colhendo sobre a mesa a carteira e as chaves de casa para ir ao trabalho, fala para a patroa:

- Horrível está é a pança do Fernandinho Beira Mar.

José Ricardo Mendes Oliveira
15/09/2002

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