Viu-se então sozinho, na plataforma da estação, esperando um trem que ninguém sabia informar quando chegaria nem de onde viria.
Olhou para o relógio num gesto mecânico, sem sequer fixar o que os ponteiros estavam realmente marcando.Procurava recapitular todos os acontecimentos das últimas vinte e quatro horas, de como se metera naquela bebedeira infernal, das pessoas que estavam na mesma mesa, conversando sem parar e sem ter algo sério para dizer. Quem sabe, alguém pôs uma droga qualquer no seu copo porque, quando menos esperou, a cabeça começou a rodopiar, as pessoas ficaram estranhas, como se ele estivesse num salão de espelhos mágicos, mas só que ele nunca se via no espelho, enxergava apenas o rosto das outras pessoas; e elas riam e choravam ao mesmo tempo; gritavam e emudenciam; dançavam ou ficavam quietas; faziam caretas ou ficavam sérias, mas era tudo fantástico, com luz e sombras, chuva e sol, riso e pranto, alarido e silêncio, calor e frio...aí ele desabou e sem que soubesse como, acordou num banco daquela estação fantasma, perdida entre serras, sem que ninguém aparecesse para lhe dar uma informação.Raciocinou que precisava manter a calma, apesar daquela ressaca terrível que faziam a sua cabeça parecer enorme e os seus olhos enxergar tudo cinza-azulado.
Olhou mais uma vez para o relógio e, agora sim, viu que eram quatro horas da tarde e o barulho que se aproximava lhe dava a certeza de que o trem estava se aproximando. O trem parou su bitamente, antes de chegar na estação. Ninguém desceu. Ninguém apareceu. Correu até o primeiro vagão subiu, mas não havia lá ninguém. Foi até a locomotiva, não havia maquinista. Percorreu todos os vagões; ninguém a bordo. Começou a ficar nervoso e amedrontado, afinal, onde a sua loucura noturna da véspera o havia levado?
Decidiu olhar a placa de destino do comboio. Quando leu, uma súbita tontura fez com que perdesse os sentidos: na placa tinha escrito com letras vermelhas: PURGATÓRIO!