Sílvio sentia os grãos de areia entrando em suas sandálias, enquanto caminhava no deserto, puxando as rédeas de um camelo. Sentia que suava dos pés a cabeça, apesar de usar uma ampla e folgada veste árabe.
Sílvio, agora, estava caminhando entre muitas pessoas, na calçada de uma avenida, entre rostos desconhecidos, de todas as cores e feitios. Entrou em uma lanchonete e tomou um delicioso caldo de cana. E continuou sua caminhada.
No entanto, agora, ele andava de um lado para o outro em seu apartamento, pensando no que fazer naquele momento. Sentou-se em frente ao aparelho de televisão e ficou clicando no controle, mudando de um para outro, entre as dezenas de canais, até descobrir um programa ou um filme, que compensasse assistir, ou não encontrar nada e desligar. Ou ouvir música, quem sabe MPB, ou jazz, ou blues, ou Beethoven, ou Mozart, ou Wagner... Ou pegar aquele livro de Drummond e se deixar levar pelo mundo, vasto mundo, das suas poesias. Ou sentar-se frente ao computador e escrever um novo poema, ou um conto, uma crônica, um artigo, ou entrar no arquivo do computador ou no CD e revisar alguns textos ou apenas relê-los. Ou, simplesmente, deixar cair o seu corpo cansado na cama e tirar uma soneca reconfortante.
Sílvio estava agora apoiado apenas nos seus calcanhares, na borda estreita de uma gigantesca formação rochosa, dando um passo após o outro no sentido lateral, da sua esquerda para a sua direita, de mãos dadas com dois companheiros de caminhada, um de cada lado de si. Não olhava para baixo, pois não apreciava altura, e assim foram até alcançarem o outro extremo. Entraram em uma imensa, ampla e escura gruta, onde nada enxergavam além do que suas lanternas focalizavam. Havia muitos morcegos dependurados no teto e o silêncio, absoluto, impressionava. Após descerem, com dificuldade, uma íngreme rampa, deram com um poço que, de tão escuro, era difícil de distinguir. Gradualmente, perceberam que o poço possuía uma larga abertura, com muitos metros, e uma profundidade considerável, e, no fundo, água negra empoçada. Na época das chuvas, os lençóis subterrâneos levavam uma grande quantidade de água até o poço, que transbordava e inundava a imensa gruta.
E, agora, Sílvio estava em uma selva africana, observando os animais selvagens, guepardos, zebras, leões, rinocerontes, hipopótamos, girafas, que calmamente se alimentavam, em uma planície, a perder de vista. Ele não era um caçador, os fotografava e se empolgava com aquela paisagem, sentindo-se como se estivesse nos dias da criação! Os animais viviam segundo as leis naturais, as vezes com uma violência, que, entretanto, tinha sentido, ao contrário da violência dos homens, e Sílvio os admirava em toda a sua beleza. E as aves, com suas plumagens multicoloridas o deixavam extasiado. Tantos espécimes ali estavam, se alimentando ou repousando, uns ao lado dos outros. Via também os macacos, dos pequenos micos, espertos e brincalhões, aos imensos gorilas, orangotangos e chimpanzés, inteligentes e respeitosos de suas hierarquias grupais.
Desta vez, Sílvio era um astronauta, e partia em uma viagem espacial. E, ali, de dentro do seu claustro tecnológico, observava a Terra, distante e azul, boiando no espaço. Era uma experiência que o marcaria para sempre, de que nunca se esqueceria. Apesar de toda a segurança e planejamento da missão em seus mínimos detalhes, sabia que estava correndo risco. Algo poderia não dar certo, uma falha nos instrumentos, uma colisão com um meteorito que poderia danificar a nave, e aí... impossível de se prever. E, àquela imensa distância da Terra, repensava tudo sob uma nova perspectiva. Bilhões de seres humanos, animais, vegetais, minerais, viviam naquele globo azul; neste mesmo instante, algumas guerras e conflitos de diversas origens dizimavam milhares de pessoas; muitos animais e aves eram caçados, mortos ou aprisionados; milhares de árvores estavam sendo cortadas. Mas, sentia, de uma forma difícil de explicar, que a Terra era parte integrante do universo infinito. E que esse infinito estava nele também, Sílvio, e, em alguns momentos, lhe era acessível uma paz que transcendia todos os conflitos e tragédias.
E, agora, Sílvio estava solto no espaço, dentro do seu traje espacial que lhe permitia respirar naturalmente. Sentia uma incrível sensação de liberdade. Aproximava-se, lentamente, do Monólito Negro, que saíra, sem pedir licença, do filme "2001 - Uma Odisséia no Espaço", do saudoso Stanley Kubrick, e, ali estava, agora, diante dele. Sentiu-se atraído por uma inexorável força magnética e penetrou em seu interior imenso e escuro. À medida que penetrava, sentia-se envolvido em um movimento espiralado vertiginoso, no qual, percebia-se percorrendo o espectro de todas as cores imagináveis ou não. Perdeu a consciência, e quando a recobrou, percebeu que perdera a noção de tempo e de espaço. Estava em um e em diversos locais; encontrava-se em um grupo de pessoas que conversavam e riam alegremente e sozinho em seu quarto, meditando; era claro e louro e moreno com cabelo escuro e crespo; encontrava-se em um campo florido, com um horizonte luminoso e entre muitas pessoas, em uma estrada larga e contínua. Sua consciência era individual e coletiva, ou, seria melhor dizer, cósmica, pois percebia e assimilava em si todos os conflitos, internos ou externos a si mesmo, e alcançara um estado pacífico, em que compreendia o porquê e o como de todos eles, que não mais o atormentavam. Sabia que esta fora a sua culminante viagem e o seu culminante estado de ser.