Ele é uma das melhores lembranças da minha meninice, uma figura magra, quase esquálida, pintor de paredes por profissão, o mais requisitado do meu bairro, não por ser o melhor, mas por ser o mais simpático, amigo de todos.
Seu nome verdadeiro não me lembro e duvido que alguém fora da família dele se lembre, pois todos o conheciam pelo apelido - Mascote.
Estudos ele pouco tinha, sabia ler e escrever, mas imaginação tinha demais, todos os meninos da vizinhança sempre estavam perto para ouvir suas histórias, piadas e adivinhações, nos constantes intervalos que ele fazia no trabalho, quando ele adorava tomar um café enquanto se acocorava no meio dos meninos, e entre um gole e outro inventar histórias, tramas refinadas, que faziam rir ou causavam espanto, prendendo a atenção dos meninos. Era um tempo em que a televisão já exercia o controle das mentes infantis e juvenis.
Quando sabíamos que ele estava pela vizinhança, eu e meu irmão menor sempre íamos ter com ele, alegria maior então era quando nossa casa ia ser pintada, era garantia de diversão certa e uma dor de cabeça para minha mãe nos mandar para a escola, pois sempre queríamos estar perto do Mascote, sorvendo suas histórias e tentando acertar suas charadas. Seu contos eram inspirados na mesclagem dos livros de bolso com adaptações da realidade nordestina, passando por princesas de países distantes e tudo mais que a imaginação dele permitia.
O tempo foi passando, fomos crescendo e Mascote envelhecendo, claro que fomos perdendo pouco a pouco o interesse pelas histórias, que agora pareciam cada vez mais palavras inventadas para divertir crianças, mas mesmo assim ainda procurávamos o velho Mascote, só para saber como ele estava, continuava na sua profissão de sempre, mas era cada vez mais raro vê-lo trabalhando, pois não tinha mais a elasticidade necessária para subir em muros e escadas para retocar cantos difíceis, e seus próprios filhos é que assumiam a maioria dos trabalhos de pintura, embora ele sempre fosse ajudar e passar sua experiência.
Já adulto, um dia, chegando da faculdade, minha mãe me deu a terrível noticia, Mascote tinha morrido, morrera durante o seu ofício, já bem velho, teve uma ataque cardíaco fulminante enquanto pintava uma parede, seu corpo ficou algumas horas em cima de uma marquise, enquanto conseguiam escadas e pessoas para resgatá-lo. Seu funeral foi triste e estranho, pois o único que gostava de falar e conversar era justamente o motivo daquela melancólica reunião. Deixou uma viúva e três filhos já criados, todos na mesma profissão do pai, mas sem o talento para cativar os seus clientes.
Creio que onde ele está agora, não precisa mais pintar paredes, mas sem dúvida, está contando histórias para todos os que as quiserem ouvir.