Há tempos, Manoel Messias estava querendo falar com sua esposa sobre o novo estilo de vida que adotara, em virtude da frieza que havia se instalado no relacionamento deles.
Ao sair do trabalho, às dezoito horas, Manoel Messias passava no bar do Adão, tomava uma dose de rabo-de-galo e se dirigia para “O Beco”, um bar onde - já sobre os efeitos preliminares do álcool - tomava quatro caipirinhas.
Pronto. Feita a confusão.
Risadas, comentários libidinosos e olhadelas para as mulheres que freqüentavam o bar.
Quando chegava em casa, já passada a meia noite, a porta do quarto da esposa já estava fechada e ela dormindo. Na manhã seguinte, era aquele clima: a mulher de óculos escuros, a preparar o café, sem dizer uma só palavra.
E nessa vida prosseguia Manoel Messias. Passar pelo bar do Adão, tomar um rabo-de-galo, ir para O Beco e entornar quatro caipirinhas...
Sem a mínima esperança de reverter a situação, vinha levando a vida assim há quase dez meses.
Um certo dia, ao sair do trabalho e fazer o mesmo percurso, Manoel Messias entra no Beco e pede o de sempre.
- Veja-me uma caipira!
Entre umas e outras, Manoel Messias vai conversando.Reclama da vida, da esposa, faz piadas e escuta.
Tudo está como sempre, até que, em um momento, algo lhe chama a atenção, algo que vai mudar definitivamente sua vida como na história de um livro. Ele vê um par de glúteos encantadores, seus olhos são presos pelo rebolar das nádegas, já tinha visto naquele dia várias bundas, mas nenhuma como aquela, que lhe chamasse tanto a atenção.
Com o olhar, ele segue a fêmea, perscrutando-lhe o andar. Súbito, uma mulher adentra o salão.
- É minha esposa - ele diz para si próprio – e, após uma análise mais detalhada conclui: - Não é a maldita. E volta à perseguição
A fêmea senta em uma mesa, localizada uns cinco metros à sua frente. Está de costas para ele e ajeita os cabelos.
Os olhos de Manoel Messias percorrem a nuca da fêmea, recoberta por uma penugem quase translúcida. Ele sente a iminência de uma ereção entre suas pernas, coisa que, há muito, não acontecia. Seus olhos deslizam deliciosamente da nuca para as costas espadaúdas da fêmea. Os ossos escapulares, desprovidos de carne, são revestidos por uma pele sedosa que ele jura morder em breve. De repente, alguém o chama, tocando-lhe o ombro.
- Aceita mais uma caipirinha amigo?
É o garçom.
- Não, seu jumento! - responde Manoel Messias, indignado com impertinência do servente.
Sua viagem prossegue pelas costas, seus olhos estão rasos d`água, o encosto da cadeira, de uma madeira compensada, impede a visualização do terço médio das costas. Ele percebe que ela leva a bebida à boca, ele também sorve o restante da caipirinha que está em seu copo e visualiza o lombinho da fêmea.
É possível ver o bordo da calcinha rendada através do cós da calça, que está um pouco abaixo do elástico da sua roupa intima: é de renda, diz a si próprio.
Ele aproxima-se. Está a menos de um metro. Seu pescoço curvado pende a cabeça, e ele olha quase em noventa graus para as nádegas deformadas pelo peso do corpo que sustenta. Vê os culotes salientes e carnudos se esborracharem sobre a cadeira, sobe o olhar em caminho inverso, chega à nuca novamente, se aproxima mais, sente o volume proeminente de seu sexo injetado de sangue entre as pernas e quase encosta à cadeira.
- Toco-lhe a nuca? - ele se questiona - Acredito que na nuca posso lhe assustá-la, pensa, anuindo com a cabeça.
Ele sustenta o copo na mão esquerda e leva sua outra mão na direção do ombro direito da fêmea, toca, pega toda articulação úmero-escapular, aperta. Em sua mente já não há nada. Seu corpo parece pequeno para conter sua alma, que pulula em um ritmo frenético. Ela vai virando o rosto como em câmara lenta. Já é possível ver o ramo horizontal da mandíbula e, então, ao olhar para a meia face da fêmea, um calafrio percorre suas entranhas sacudindo todo seu corpo.
- Sonia! - ele exclama aturdido.
- Messias. - responde a mulher, que agora materializa-se no semblante de uma pessoa muito familiar para ele.
É sua esposa, em carne e osso.
Segundos de um olhar trocado, um olhar silencioso, mas repleto de sentimentos indefiníveis. Ele sente que no olhar de sua esposa a culpa e o sentimento de surpresa também estão presentes.
- Vamos tomar uma bebida? - ele pergunta, numa reação espontânea.
- Vamos. - responde ela. ainda com o corpo torcido e debruçado sobre encosto da cadeira.
Eles levantam-se, sem trocar uma palavra, e dirigem-se para o balcão, sentando-se lado a lado.
- Amigo, me veja mais uma caipirinha - pede ele maquinalmente ao servente.
- Para mim um rabo-de-galo - pede ela antes que ele pudesse lhe oferecer algo.
- Porque um rabo de galo? - ele pergunta.
- Porque eu já tomei uma caipirinha no bar do Adão antes de vir para cá. Responde ela olhando e cutucando a unha do dedo indicador esquerdo.