Já se passavam das dez horas da noite e Augusto acabara de rasgar a décima folha da história que estava tentando escrever para o concurso de contos do Beco, um jornal local. Sem perspectivas de ganhar o prêmio, pois se considerava um jumento para escrever, Augusto estava perdendo as esperanças.
Os concorrentes eram dos mais fortes possíveis. Robsom, um velho amigo, técnico em computação, que mais lia do que criava projetos, e Malcom, um engenheiro que já tinha escrito um livro e se formado em uma universidade cujo nome Augusto mal sabia pronunciar.
Sem acreditar na possibilidade de ganhar, Augusto pensava, debruçado sobre sua mesa iluminada sofregamente pelo abajur quando, súbito, uma idéia o sacudiu, causando-lhe um calafrio, que ecoou como um grito agudo na sua alma . Ele se levantou e pegou uma velha mochila que estava em um baú, dirigiu-se para a cozinha, apanhou uma velha machadinha na gaveta e saiu porta fora.
Sem desviar do seu objetivo, Augusto caminha pela rua, cerca de uns oitocentos metros, estaca à frente de uma casa. É a casa de Robsom, o técnico em computação que concorreria também ao concurso do dia seguinte. Ao bater à porta Robsom recebe Augusto com êxtase, e antes que o próprio visitante pudesse lhe dizer algo, o anfitrião, se é que pode se chamar assim, conta que acabara de concluir o conto com que iria concorrer na manhã seguinte. Uma obra prima, mais tarde comentou Augusto, trata-se de um personagem beberrão que vai todos os dias a um bar se embriagar. Certo dia, se apaixona pelas nádegas de uma mulher e estas nádegas eram da sua própria esposa. O conto era recheado de surpresas e com um teor filosófico inquestionável. Ao terminar a narração, Augusto fala que trouxera algo para Robsom, e pede para que ele mesmo olhe dentro da mochila. Ao curvar-se para observar o fundo escuro da mochila, Augusto saca da machadinha, escolhe a articulação de uma das vértebras da parte posterior do pescoço da inocente vítima e aplica um golpe furioso que separa o corpo de Robsom em dois: a cabeça cai certeira no fundo da mochila, promovendo um estrondo característico de cabeça contra o solo, a segunda parte do corpo, desfalece sobre os pés de Augusto.
Ao sair da casa de Robsom, pouco teve de andar Augusto, apenas dobra a esquina e anda cerca de cinqüenta metros para bater novamente em outra porta, a de Malcom, o engenheiro. Este o recebe já como uma certa animosidade, inerente a uma pessoa que já estava deitada para dormir mas, mesmo assim, como manda a regra, convidou o intempestivo visitante a entrar. Augusto não chegou a se sentar e inquiriu Malcom sobre o tal concurso, este, por ser mais reservado, não deu muitas informações e até mesmo com um ar de indiferença comentou sobre o concurso. Bastava para Augusto esta posição do engenheiro, confiante que daquela pessoa culta e bem formada só poderia sair coisas belas e agradáveis, pediu para que Malcom olhasse bem nos seus olhos. Augusto olhou firmemente para o pomo de Adão do pescoço de Malcom que, por sinal, era bem proeminente e ,num movimento furtivo, sacou a machadinha, desferindo um golpe que o decapitou, desarticulando todo o corpo do engenheiro. A cabeça projetou-se para a parede, promovendo um som surdo e doloroso, o corpo caiu sobre os próprios calcanhares, com pouco ruído. Augusto pegou a cabeça de Malcom pelos cabelos e colocou-a na mochila, fazendo um som seco de cabeça contra cabeça.
No dia seguinte, bem cedo, Augusto dirigiu-se para o local onde deveria apresentar seu conto, levando nas costas a mochila disforme e manchada na base por uma tinta negra. Ao chegar ao prédio, Augusto foi à sala do responsável pelo julgamento, bateu na porta e foi recebido com dignidade. Foi indagado sobre o seu conto e informado que nenhum dos concorrentes havia entregado ainda seu trabalho. Augusto empertigou-se e, olhando fixamente nos olhos do juiz, retirou a pesada mochila das costas, colocando-a sobre os pés. Então, com uma disposição incrível e decidida, colocou as cabeças decapitadas, uma a uma, sobre a mesa do juiz, manchando com uma nódoa avermelhada todos os papéis que estavam sobre a mesa.
O Juiz olhava as cabeças com olhos arregalados, ao mesmo tempo voltando o olhar para Augusto que, sorridente, tirava algo do bolso. Eram duas varinhas de marmelo. Augusto bateu com a varinha sobre as duas cabeças, só uma abriu os olhos, era a cabeça de Robsom. Augusto deu um peteleco na têmpora do crânio e a cabeça de Malcom abriu os olhos e piscou-os, como quem acaba de acordar. As cabeças olharam uma para a outra e depois olharam para o juiz, com um olhar muito natural.
Augusto arregaçou as mangas e, com movimentos de maestro, comandou a narração simultânea de dois contos maravilhosos, que nenhum juiz jamais ouvira.