Quando ainda era menino, costumava sair com amigos da mesma faixa etária a fim de conhecer os pequenos bares e os locais inexplorados pelo nosso grupo de aventureiros. Não muito raramente, saíamos em busca de novos paraísos noturnos – buscar outros tipos de educação pela noite. Nossos paraísos de rios, praias e fazendas sempre constituíram um deleite àqueles que se prestam ao trato com a pulsação diária dos caminhos de Baco. E tudo parece irreal dentro do nosso mundo. Eu nunca duvidei do poder feminino, mas desde cedo tive uma visão desse quadro, pintadas em cores fortes e ritmadas. Como um eco, esta cena rufla minha mente o quadro que nunca pintei, pincela minhas memórias.
Certa vez, nós resolvemos seguir rumo às praias do recôncavo do estado. Encontramos algumas com praias semidesertas; outras, porém, serviam apenas de apoio, de pontos estratégicos para noitadas à beira-mar: muita paz ao som de um violão – costumava levar meu instrumento para alegrar as noites da turma –, muita reflexão sobre a vida... E nada de drogas. Nosso grupo girava em torno de cinco a seis pessoas. Eu era um dos mais novos. Apenas os acompanhava em época de férias ou quando meu irmão mais velho, de dezoito anos, me levava.
Num desses entrepostos, numa praia não muito distante de Santo Amaro, ocorria à época, quase todas as noites, o já famoso lual.Era um momento mais importante para paquerar no verão, afinal, estávamos juntos. Por haver se tornado um dos hábitos locais, esses luais atraíam a atenção de muitas pessoas, principalmente turistas e visitantes da capital. Era, inclusive, difícil de se conseguir um ponto de boa observação depois de certa hora. Quem chegava tarde tinha que se contentar apenas com os gritos dos adolescentes e dos fãs mais exaltados de Raul Seixas e Legião, os nossos preferidos.
Um dos nossos amigos boêmios, o Alberto, adorava essas luais – foi ele quem nos indicou essa praia. Durante as festas que havia ele não parava de azarar. Mas nesta noite ficamos em um bilhar, tomando cervejas e outras bebidas mais fortes. Talvez devido a essa euforia, talvez em função das feições – era um adolescente bonito. Fato é que observei uma morena de feições exóticas olhando, demoradamente, na direção onde ele se encontrava. Pensei em avisá-lo, mas não foi necessário. Ele era muito arguto e, de chofre, percebeu que era alvo dos olhares insidiosos de uma bela mulher.
A briga continuava no ringue. Ele, agora mais comedido, dividia as atenções: estava entre as tacadas e bolas que se digladiavam e os olhares deveras sedutores da morena. Aos poucos, ele vai cedendo aos apelos da mulher que o deseja – era inconteste o ar de sedução daquela mulher. Havia naquele olhar algo de mágico, de felino, de sedutor...Algumas mulheres têm esse poder, essa sensibilidade de dizerem, através de um simples olhar, segredos que aguçam a realidade masculina. .
Eu, de onde estava, percebia tudo. Conhecia-o bem e, de acordo com a retrospectiva do meu amigo, sabia que optaria pela mulher em detrimento dos tacos. Fui, porém, traído em minhas projeções. Aquela mulher estava além da minha percepção de adolescente pueril. Ela, discretamente, fez menção para que meu amigo a acompanhasse. Esperou alguns segundos após o sinal (mais um que fizera apenas com o poder daquele olhar) e saiu. Ele já não mais se preocupava com os tacos. De nada importava, naquele momento, quem seria o vencedor. Ele apenas seguia os instintos que o invadiam. Sabia que a felicidade estava alhures, muito além daquela mesa. Sabia que algo de bom estava junto àquela mulher, esperando por ele.
Os dois seguiram, em silêncio, em direção a um dos morros que havia por detrás das barracas da praia. Um pouco à retaguarda, tentava segui-los na intenção única de ser o testemunho vivo de mais um ato em que nenhum teatro encenava, e os artistas iam para palco. Embora não muito próximo, percebo que o silêncio é a tônica do casal. Ambos estão calmos, parecem mesmo saber o que querem, prescindindo de palavras fúteis que de nada adiantariam naquele momento. Apenas uma brisa teimosa os interrompe e, providencialmente, joga ao ar os longos cabelos daquela mulher que agora, protegida pela penumbra da lua, seduz-me com o traçado das silhuetas de mulher que se me encantam os olhos. Quanta beleza! Que perfeição havia naquele corpo... A sugestão da nudez, a iminência da união daqueles corpos... A perspectiva do amor perpassava minha mente... Queria ser o protagonista daquela mulher, mas a natureza, o poder de escolha daquela fêmea optou noutro sentido e outro era o homem que a conduzia.
Chegaram ao cume de uma das dunas. Descem um pouco e ficaram protegidos de tudo o que deixaram para trás. Acelero as passadas para não perder nenhum detalhe. Chego ao topo e me posiciono no melhor local possível – precisava assistir ao que seguiria. Eles passaram alguns segundos parados, apenas se entreolhando. Ela, ainda em silêncio, não da forma brusca e apressada, mas suavemente. Minha visibilidade não era das melhores, mas percebia que ela se demorava. Ela se demorava... Abrira a noite com seus olhos, e agora eu esperava mais... A paciência daquela mulher atormentava meus ímpetos imediatistas de adolescente que tem pressa no contato com as mulheres. Minha pouca idade e minha inexperiência sexual não entendiam, ainda, o quanto de belo, e de sensualidade estava nas entrelinhas daqueles toques sutis, daquela sugestão da nudez do meu amigo que aquela mulher insistia em protelar. Se eu, que estava apenas na condição de observador quase passivo, sofria... Como estaria o meu amigo naquele momento, sendo, imagino, tão hábil e docemente acariciado? Depois de longos minutos, movido por um impulso animalesco – não pude resistir, queria, a todo custo, sentir um pouco do prazer que aquela mulher oferecia. A luz refletida da lua parecia incrédula aquele momento. De repente, um clarão iluminou a terra e pude, finalmente, sair da penumbra e vislumbrar os dois. Foi uma visão rápida, mas suficiente para contemplar dois mundos: o dele – ainda descrente do que recebera; e o dela – que se refletia num olhar de conquistadora, duma mulher caçadora que se deleitava com a mais nova conquista. As nuvens se moveram encobrindo a lua e voltei à penumbra. Não resisti e me fiz transportar por mundos imaginários, como se aquela mulher estivesse em mim... Na solidão, mas estava feliz. Ela se levanta, passa as mãos nos joelhos e sai. Ele a segue. Ela acelera os passos e, quase correndo, consegue retornar ao bar. Não os acompanhei de imediato, mas tão logo retorno ao local onde outros jogadores já se agrediam, percebo-os nos mesmos locais onde estavam antes de saírem.Eles se olhavam e sorriam, mas nenhuma palavra trocava. Ele deu uma nova tacada... Novos copos, novas exaltações. Ela o observava com o mesmo olhar. Mas aquela mulher verdadeiramente me surpreendia e, depois de alguns outros olhares na direção do meu amigo, despediu-se de uma amiga que a acompanhava e se foi.