Há o silêncio na sala, muitas mulheres em trajes íntimos.
Apenas uma me olha, um olhar em que há a aceitação de um destino sem esperança.
Pinto-as em sua beleza natural, que não é a beleza clássica.
É a beleza da vida sem artifícios, como ela é.
Cada traço fala por si mesmo, o peso dos anos, a pele branca, sem o calor do sol. Cada humilhação, cada desprezo, cada aborto, cada abuso retratado na face marcada, desfigurada, esmaecida com o passar do tempo.
Na "sala dos inocentes", o médico faz os abortos, as mulheres levantam as saias e entram. Ou são tratadas das suas sífilis.
Cada uma carrega seu fardo.
Eu as pinto nuas, se vestindo, se despindo, nos momentos de prazer, com traços que as vezes são quase esboços.
A pobreza, a dor, as marcas nos traços de uma convivência com a dor, com a miséria.
Ela apanha do marido bêbado e eu a pintei com humildade e reverência.
Eu compactuo com elas em sua dor.
Eu sinto sua dor com elas.
Eu sinto seu amor entre si.
O tempo passa rápido.
Para quem vive para o prazer, então... ou para quem vive para a dor... ou para quem vive para o amor, para o riso, para o prazer...
A dançarina se expõe.
Eu bebo e pinto e desenho.
Meus cartazes se tornaram famosos e atraem muitos para o cabaré famoso, agora ainda mais famoso.
Eu me inspiro nos desenhos e pinturas japonesas, com suas cores definidas, sem matizes.
Aqui apenas uma sombra de um perfil famoso, ali os trajes íntimos e brancos da dançarina.
Eu capto os sentimentos em meus traços leves.
Eu capto cada pequeno movimento que denuncia a intimidade dela, de todos.
Pois ela tem que aparecer, que ser, é seu ofício feminino, mas eu vou além com meu traço.
São as cenas cotidianas, a fisionomia crua, o olhar captado no momento da sua espontaneidade.
O absinto me consome.
O médico diz que eu sou louco.
Mas eu nunca estive tão lúcido.
Eu assino meu testamento com trinta e seis anos.
Desenho nas toalhas das mesas.
Faço o cartaz do grande artista e recebo menos do que mereço.
De outra vez, quem sabe, viverei mais... procurarei esquecer a intensidade da vida e me encolherei em meu anonimato de burocrata.