O médico foi duro e categórico. Explicou a Antenor as prováveis causas do derrame cerebral: sedentarismo e a desastrosa combinação de fumo e álcool. Disse-lhe ainda que o AVC paralisara-lhe o braço direito. Antes de assinar a alta, o doutor fez a última recomendação ao paciente ― caminhadas diárias e parar de beber e fumar. Quando muito uma tacinha de vinho tinto, de vez em quando.Nessa hora os olhos de Antenor ficaram molhados de lágrimas.
A doença também deixou Antenor meio manco, mas ele tocou a vida pra frente como pôde. Conseguiu aposentar-se por invalidez, e só saía de casa para as caminhadas e as idas ao fisioterapeuta.
Aconteceu então que numa tarde Antenor não voltou da clínica na hora costumeira. Sua esposa, com mau presságio, foi até o bar e encontrou o marido feliz levantando o copo com a mão esquerda. A fumacinha azulada do cigarro sobre o cinzeiro cheio de guimbas enfeitava o ambiente. A mulher não fez cena. Apenas chorou por dentro e até ajudou Antenor a levantar-se da cadeira.
Antenor terminou o tratamento com a fisioterapeuta e, aposentado, num dolce far niente , entregou-se de vez à bebida e ao cigarro. Mas a festa não durou muito. Dessa vez o AVC foi mais forte. Antenor, com um tubo no nariz e rodeado de aparelhos, acordou numa cama de hospital. O mesmo médico deu-lhe a sentença: o derrame havia paralisado o outro braço.
Antenor voltou a andar após um ano de fisioterapia. Dava pena ver o coitado com a boca torta, claudicante, balançando os braços moles. No início foram somente umas voltinhas na praça. Mas o tempo ajeitou as coisas e Antenor passou a se virar bem com suas limitações físicas.
Um dia, a esposa de Antenor estava preparando a janta quando foi interrompida pelos gritos do filho caçula:
― Mãe, corre, mãe, o pai tá lá no bar bebendo cerveja de canudinho!
Alguns meses depois Antenor morreu. Ele até conseguiu ser socorrido com vida, mas o atropelamento causara-lhe grave traumatismo craniano.