O tratado da beleza, característica fortemente discutida pela cultura elitista, é uma das maiores controvérsias da história. Veja você: todos os grandes artistas das escolas literárias, as vanguardas (modernismo, parnasianismo, simbolismo, realismo, romantismo ) e outras bobagens à parte, são processos de exclusão intelectual. Outro dia, li algo interessante sobre os intelectuais e as massas. Para falar a verdade, nunca sei de nada. Esse tipo de informação nunca chegou aos meus ouvidos. Talvez eu tenha coisas mais importantes para pensar do que Ortega y Gasset ou Mário de Andrade. "Arte é coisa de rico"- diria um célebre anônimo cidadão, destes que o processo sócio-cultural se encarregou de excluir por não saber nada sobre a diata arte. Na verdade, as nações ditas desenvolvidas que enquadram esse termo a sua ideologia, preferem a forma rebuscada e inteligível do que sua simplicidade e proposta moral. A concepção de arte significa conhecimento, mas não denota poder. Porque o capital detêm o poder, e não a arte. E assim precisa continuar sendo, pois os bons garotos que pintam seus quadros, representam em seus palcos e cantam suas vozes, jamais poderão sobrepor sua fonte de renda. Caso isto aconteça, perderão a autonomia artística.
Na pacata Cidade dos Burgueses, todos continuam em seus mundos fechados. Não há caridade humana, isso já não chega a ser nem um detalhe. Nem uma nota de repúdio pela arte estabelecida. Tudo que pertence a teoria ocidental de padronização, jamais poderá repassar su conhecimento. Porque a origem de sua arte é elitista, e não cultura popular. Pode até ser cultura de massa, mas neste caso, não é cultura "pop". Percebeu? A tradição nos mostra sempre uma indiferença sobre os "consumidores da arte", desde que se leve em conta, quem produziu determinada obra.
Imagine você, que conheci um artista plástico chamado Enrico Belostres, muito conhecido no Chile. Começou a pintar em sua terra natal aos nove, com quinze, expôs em Paris. Por mais de vinte anos, Belostres trabalhou em seu ateliê particular em Santiago. A rua Montesino, número 41, tornou-se um dos locais mais freqüentados da cidade. Sempre que eu ia lá, tomávamos muito vinho, filosofávamos sobre tudo. Belostres me contava as novidades da Europa, que por sinal, eram sempre velhas. Dizia estar disposto a investir em trabalhos menos comerciais, que os grandes centros da arte moderna estavam fadados a mesmice. "Esses caras se repetem todo dia".
Depois de longas semanas de discussão, o homem resolveu tomar uma atitude: ficaria louco. Eu retruquei a idéia, só que Belostres estava decidido, disse que se fosse continuar vivo para pintar sua realidade, achava que isso não era normalidade. Era falta de sustentabilidade, aliás, 2/3 da humanidade vive assim. E o meu amigo pintor, que nada tinha de burro, comprou mais de sete garrafas de vinho para comemorar o tal invento estético de última hora: o Maluquismo. Tudo que era normal perdeu o crédito.
Confesso que achei Belostres exagerado quando começou a se aprofundar no estudo da loucura-anárquica ( teoria do Maluquismo ). " Desta vez foi longe demais!" Quem disse que surtiu efeito...
O quadro inicial do louco-anárquico, foi uma sátira a três personagens dos irmãos Green: Chapeuzinho Vermelho, a Vovó e Lobo Mau. Analisem o fundamento deste escândalo, que por sinal, foi bastante conservador: a vovozinha com um vibrador de borracha comendo o lobo, e chapeuzinho fazendo sexo oral nele. Era estarrecedor, algumas pessoas xingavam, outras vomitavam, crianças foram proibidas de entrar no ateliê - inclusive minha filha. Belostres foi acusado de corruptor dos costumes morais. Achei tudo muito engraçado, só que de certa forma, ilusório. Penso que o lobo, deveria estar promovendo um "culígnus" em chapeuzinho, e já a vovozinha, se masturbando com uma banana. Credo! " Você é mais nojento que eu". Não brinca...
Ouveram grandes manifestações pró e contra o quadro. Se de um lado, se falava em liberdade de expressão, do outro, libertinagem insandecida. Igreja protestante e católica, começaram a proclamar nas ruas a morte de Belostres na fogueira. Um promotor de justiça bateu o pé, e falou claramente " que os artistas apenas possuem uma forma de liberdade política e cultural diferenciada". O Papa ficou sabendo da balbúrdia, e disse que não entendia nada de fábulas infantins. Preferiu ficar tomando chá no Vaticano. Já meu amigo "maluquista", comemorava a ascensão do movimento louco-anarquista. Se bem que anarquismo não tem nada de loucura, é até certo ponto uma manifestação inteligente, organizada, talvez nem tanto politizada. Agora é importante enfatizar que os ditos "loucos", não são nada burros. Um exemplo clássico: Raul Seixas. Tinha muita gente doida pra comer aquele cérebro...
Depois de duas semanas de muita confusão, militâncias conservadoras na rua, falsos moralismos, jornalistas enfurecidos e alguns indiferentes, anconteceu uma coisa interessante: chegou do Brasil, uma informação de Enrico havia cometido plágio. Ficamos todos surpresos, seria de fato uma conpilação ou mera coincidência? A opinião pública ficou dividida. A perversão intelectual já era cultivada na Terra de Santa Cruz? Os focos de rejeição a meu amigo foram desviados para não se sabe onde. Só que na versão brasileira, os heróis infantis eram figuras pitorescas, dessas que só Monteiro Lobato é capaz de criar. Quando a poeira baixou, todos se convenceram de que meu velho companheiro de vinho, fora vítima de uma influência malévola, dessas que assolam a humanidade vez ou outra.
Percebi que Belostres havia me enganado, e o pior, é que fui um dos fomentadores da idéia. As coisas nunca saem como planejamos.
- Você não disse que movimento era absolutamente novo !? - redargui.
- Foi o que pensei, mas esqueci de lhe falar que lá nos trópicos morava meu tutor...
- Seu idiota, apronta essa bagunça toda a troco de nada!
- Mas peraí, não combinamos o nome do movimento?
- Sim, e o que tem isso?- meio sem entender.
- Acontece que foi você que batizou o movimento, esqueceu?
- Mas você não disse que a idéia era original?
- E desde quando idiontices como loucura e anarquismo são coisas originais? Só se for na sua cabeça mesmo...