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Contos-->Desesperança virtual -- 18/07/2000 - 12:08 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(Colaboração de Dandara, Brasília, DF)


Sou casada, se mal, se bem, e pior ainda: tenho um tom cruise de marido, apimentado com uma colherinha do mau-caratismo dos longínquos galãs de Hollywood, bem ao gosto do meu coração feminino. Assumo de vez que sou a Julia Roberts – menos a boca - e resolvo a conversa de uma vez por todas. Mas Julia Roberts sem aquela boca? Tá, a Julia Roberts não. Sou Dandara, um pseudônimo, pois jamais eu deixaria meu verdadeiro logotipo sambando nesse ciberespaço à mercê sabe-se lá de quê ou quem.
Tenho bons pretextos para tantos cuidados, sabendo que a vida, por si, é um grande risco, um traço descontínuo, pontuado de altos e baixos, picos da neblina, montanhas de tempestade. Rapidez no gatilho – vc nem piscou e eu já voltava de óculos escuros, colírio e tudo, para me proteger do sol de alumínio e aparar as bordas da paisagem, contentando-me com o alvo certeiro. Saiba que não lhe direi nunca que detesto uma coisa que se chama sexo virtual. Não lhe direi isto nunca, com letra nenhuma, senão vc foge. Mas aqui, do topo dessa msg que não lhe enviarei, digo que é a mais pura verdade: odeio sexo virtual. É duro fingir envolvimento nesse jogo de sedução tomado do Kama Sutra. Precisa tanto manejo não, é dar um beijo, e me desfaleço. Virtual também pode ser o beijo, até prefiro. Mas sei que se disser na lata tudo isso vc salta fora, acertei?
Pensando bem, sou um homem disfarçado, só posso ser. Marquei quinta-feira às 21h30m (horário de Brasília) e dei o bolo. Desde então, passei a ser tanta coisa em seu conceito, a mais refinada que ouvi foi “moleque tirando sarro de um pobre quarentão abandonado solitário carente”, e tudo o mais de nojo que cabe em alguém que se apelida de “quarentão carente”. Mas onde a coerência? Sem uma bandeira de lógica, não embarco no seu iate, se quer saber. Digo “iate” porque para mim “canoa furada” vc jamais foi, é, será. Vc é o anteparo que abafou meu grito (confuso). Vc é o meu melhor espelho (pretensioso). Vc é o espelho com que sonhei toda a vida (narcisista). Tá, tá, vc não é nada que não seja vc mesmo, isto é, um caderno em branco cheio de linhas suplicando frases e borrões. Não que seja um rascunho de si mesmo, ou de mim, ou do que seja - tá vendo como é difícil lidar com palavras escritas?
Não, por telefone nem pense. Não posso MESMO. Claro, já disse no começo – devo ser casada, só posso ser, com tanta prevenção. Se bem que ser casada nunca foi sinônimo de compromisso eterno. Me penitencio num sussurro: para mim toda aliança carrega nos dedos a algema de uma tola promessa que, não sei se ingenuamente, não sei se pretensiosamente, selamos para continuar respirando algum alento de futuro.
Não me divague. À falta de melhor argumento, fique então com este: tenho uma voz insuportável, dessas que vibram à corda vocal esticadinha e repercutem até o hipotálamo. Sim, contente-se com essa verdade, a mais inofensiva que me vem nesse agora. Ou posso estar também atravessando alguma entressafra financeira, algo bem mais duro, mais chão. Se me recuso a falar ao telefone, eis aí boa lógica com que se apegue.
Sei que vc é que quer me ligar, porque de onde telefona só dá para ligar, não para receber. Pensando bem, o casado deve ser é vc. Morro de conhecer esses casos de homens casados que esperam o chefe sair para se pendurarem ao telefone. Mas não me presto a exames e investigações. Acredito na primeira verdade de meus olhos, nessa que me dá conta imediata do paladar sem suscitar ressaibos.
Um frio me percorre toda só de pensar em ouvir sua voz. Se conseguir me prometer que só sua voz irá falar, que eu só serei ouvidos e nada mais, pode ser que eu consiga educar meu coração de cuíca nervosa para uma dança mais suave. Não bastasse tudo isso, morro de medo de não sair nada quando eu for falar. Sou tímida. No teclado é mais fácil.
Aquele CD que vc me recomendou, eu rodei lojas e lojas e não achei. Aqui em Brasília não se encontram preciosidades, só algaravias avariadas. Mandar pelo correio, nem me venha. Não... que eu teria de lhe dar meu endereço, e ainda não me sinto preparada. Uma caixa postal? Não entendo disso. Dá assim para saber o nome do dono da caixa postal? Não dá não? Quero dizer: deve existir um catálogo com os números das caixas postais seguidos dos nomes de seus donos, como nos catálogos telefônicos, eu suponho. Vou pesquisar, depois lhe mando a resposta.
Vamos ao que interessa. Menino, sou só que uma única e assoladora saudade, cabeça e coração cada dia mais enredados nesses fios imaginários da grande teia mundial. Queria que fôssemos como naquele filme “Nunca te vi, sempre te amei”, assistiu?
Acho que vc não é nada do que eu sinto que é, acho que no fundo eu também não sou nada do que passo a vc. Acho que não somos nem para nós mesmos o que realmente somos, se é que somos lá alguma poeira de qualquer coisa.
Tenho uns defeitos abomináveis, por isso melhor seria se nosso primeiro encontro se desse num quarto escuro. Aliás, gostaria que todos os nossos encontros fossem no escuro. Gostaria de sermos cegos para podermos ter o privilégio de nos amar com o gesto e nunca esquecermos o carinho na pele. Então aí seremos mais do que nossas imperfeições, seremos algo vibrátil e fluido que não pertence a este mundo.
Sei, vc curte o visual. Pois saiba que eu não ligo para essa parte. Nada quero que não o seu coração sangrando na bandeja, morno e pulsante, para eu assá-lo na brasa do meu e depois devorá-lo com toda a saliva de um beijo.
Não me mate a conversa assim, me querendo uma playmate do mês! Sem essa de me querer traindo um marido que acha que tenho e que desse jeito eu também acabo acreditando que tenho. Ainda tem o descaramento de dizer que faz questão de que eu tenha mesmo outro homem na vida para vc exercitar o pleno amor de macho.
Vc me quer ação, eu lhe quero palavras. Fico triste com tantos desencontros. Quando penso que estamos nos entendendo, lá vem vc me arrastando para compromissos combinados em alguma esquina vulgar com nome e sobrenome, números e outros sinais. Quando me sinto mais mulher, lá vem vc, dando uma de homem. Não me distorça: vc entendeu. Também eu já entendi tudo: a Net foi feita sob medida para as mulheres, essas criaturas sonhadoras. Conseguimos, como nenhum homem consegue, transportar-nos para dentro da tela e viver um grande amor virtual. Mas vcs estragam tudo, quando o que querem é nos arrastar do de dentro de nós para o de fora da vida. Vcs têm sempre uma nesga de realidade por detrás de seus carinhos. Vcs o que querem é nosso coração na bandeja, sim, sangrando e pulsando, sim, mas apenas para lamberem os beiços diante de nossos cadáveres insepultos.
Tá, hoje não estou boa para conversa. Minhas emoções formigam pelos dedos, sinto-me ridícula diante de uma tela luminosa, é qualquer coisa como estar diante de uma geladeira aberta numa madrugada dietética.
Antes que eu diga mais uma asneira sem tempo de voltar atrás para deletar tudo...
(ai, enviei a msg!!!!!!)

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