Usina de Letras
Usina de Letras
21 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63460 )
Cartas ( 21356)
Contos (13307)
Cordel (10364)
Crônicas (22586)
Discursos (3250)
Ensaios - (10765)
Erótico (13601)
Frases (51964)
Humor (20212)
Infantil (5642)
Infanto Juvenil (4998)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141391)
Redação (3379)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2444)
Textos Jurídicos (1975)
Textos Religiosos/Sermões (6387)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Presos na Escuridão -- 22/07/2000 - 02:33 (Marcia Lee-Smith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A luz acabou lá pelas cinco da tarde. Raquel imediatamente pegou o telefone. Mudo. O celular. Mudo também. Abriu a porta do apartamento, e observou que a porta corta fogo tinha sido trancada automaticamente. A sensação de pânico foi imediata. Estou sozinha aqui ! E é um feriado prolongado !
Sem computador, sem luz, sem banho quente, sem TV, sem luz para ler um livro, talvez sem sequer uma vela !
Tentou acalmar-se. Pode ser apenas por uns minutos.
Fez um sanduíche enquanto pensava….Talvez se a luz não voltar vou perder tudo isto que há na geladeira.
Sentou-se junto à janela do vigésimo quarto andar, e tentou ver se a falta de luz era geral. Parecia que tinha afetado uma grande parte da cidade. E começava a escurecer.
Sentiu uma sensação de solidão total. Pela manhã notara que haviam apenas cinco carros na garagem. Todos haviam debandado para a praia, para o sítio, e ela não pudera ir, ansiosa por terminar o trabalho no computador.
Riu sozinha, de nervoso. Começava a escurecer.
Sentou-se no chão, junto ao sofá. Fazia isso quando era criança, e por uma razão qualquer sentia-se melhor. A bateria do celular estava carregada, mas parecia não haver sinal.
E ainda por cima parecia que estava começando a chover.
Estava entrando em pânico, e não iria se permitir isso. Talvez os porteiros estivessem lá em baixo. Mas o interfone não funcionou.
Alberto tinha dito que passaria às nove. Ainda eram sete. Quem sabe até às nove tudo estaria resolvido?
Decidiu tomar um banho com água esquentada no fogão. Melhor que nada. Achou também dois pedaços pequenos de vela.
Tomou um banho de canequinha e vestiu um roupão. Sentia-se melhor. Já não conseguia ver nada no apartamento. Economizava as velas.
Esquentou uma comida congelada no forno do fogão, graças a Deus havia gás…Sentou-se de novo no chão, junto ao sofá e comeu direto da embalagem.
A noite foi invadindo a cidade, invadindo cada recôndito de Raquel. E se aquilo fosse durar os quatro dias e noites do feriadão? O que fazer? Incomunicável. Que bom que não fumava, era uma preocupação a menos.
Abriu de novo a porta e no escuro total do saguão ela avançou até a porta de incêndio. Trancada.
Bateu a porta do apartamento e esqueceu de trancá-la.
Atirou-se no sofá e dormiu um sono esquisito, inquieto. Acordou sentindo frio e com a impressão de que alguém batia à porta.
Aí notou que a porta estava sem a chave. Passou a tranca e perguntou:
Quem é?
A voz do outro lado respondeu:
Gustavo, seu vizinho. Abra por favor…
Ela morava no prédio há dois meses. Como saber que o vizinho se chamava Gustavo?
Mas por outro lado, se não fosse outro vizinho preso no andar, quem mais poderia ter chegado lá, com os elevadores parados?
Arriscou.
Vou acender uma vela, espere aí…
Abriu a porta cautelosamente. O rosto do rapaz parecia quase tão assustado quanto o dela.
Você está sozinha?
Estou, por que?
Por nada, eu moro sozinho, já bati nas portas dos outros apartamentos deste andar, e parece que apenas nós dois estamos aqui. Nos outros andares é impossível saber.
Seu celular está funcionando?
Não, o seu está?
Não, não há luz, nem elevador, está chovendo, está escuro, estou apavorada.
O corpo do rapaz passou para dentro do apartamento dela.
Vamos ficar juntos?
Como assim, juntos? ela quis saber.
Conversando, bebendo, comendo, tenho umas velas, uma lanterna de camping, pode ser que funcione.
Está bem, pensou Raquel. Vai ser uma noite longa.
Acompanhou Gustavo até seu apartamento. Acharam as velas e a lanterna. Funcionava. Ele pegou ainda um queijo e duas garrafas de vinho.
Tem pão?
Acho que sim, pão integral, serve?
Claro, disse Gustavo. Melhor seria impossível.
Voltaram para o apartamento de Raquel.
Sentaram-se à mesa com uma vela acesa no meio, vinho, queijo e pão, e começaram a conversar.
O que você iria fazer hoje, se isto não tivesse acontecido, ele perguntou?
Iria me encontrar com meu noivo.
E você gosta muito dele?
O escuro fazia com que as verdades em sua cabeça se tornassem mais claras.
Não, nem gosto dele, mas vou me casar com ele?
Por que?
Sei lá, namoramos há tanto tempo, não é natural que nos casemos?
Gustavo meneou a cabeça….Não, é completamente absurdo.
Mais vinho e queijo.
E você, o que iria fazer hoje?
Provavelmente assistir um ou dois filmes, depois dormir.
Você não tem ninguém?
Não agora. Já fui casado.
Ah, lamento ter perguntado.
O silêncio interpôs-se entre os dois e a chama da vela projetava sombras bruxuleantes nas paredes.
Venha cá, disse ele, venha ver sua sombra.
Sentou-se ao lado dele, de costas para a vela, e ficaram brincado de fazer sombras na parede.
Você fazia isto quando era criança?
Não, disse ela, tinha medo.
Ele passou o braço em seu ombro, e disse: Agora não precisa ter.
Quem é você, perguntou Raquel?
Pode me chamar do vizinho do escuro, ele sorriu.
Vamos ficar juntos até a luz voltar? ela preocupou-se.
Você quer?
Raquel sentia o inusitado da situação, parecia estar dentro de um pesadelo, de um filme de Fellini, e não quis mais reagir ao absurdo de que tudo aquilo era.
O beijo foi mais doce que o vinho, mais picante que o queijo, mais alimento que o pão.
O dia os encontrou na cama de Raquel, os corpos embolados, a cortina aberta deixando entrar a abençoada luz.
Gustavo, gritou ela, é dia !
Ele acordou lentamente, e disse: Vamos ver o que funciona.
Em minutos constataram que tudo estava como antes.
Raquel começou a chorar. Gustavo riu.
Chorar por que?
Vamos achar algo para fazermos a dois.
Fizeram o café da manhã. A geladeira já se descongelava, mas o presunto e os ovos estavam um sucesso.
Decidiram conhecer melhor os respectivos apartamentos.
Gustavo mostrou álbuns de fotos, seus livros, sua coleção de CDs, seus aeromodelos.
Você é piloto?
Não, sou projetista de aviões, e adoro construir modelos. Do que você gosta?
Foram ao apartamento dela. Viram suas fotos, ele riu demais da quantidade de lembranças da infância que ela guardava.
O que você faz, Raquel?
Sou tradutora. Do espanhol para o português.
Ele disse que nunca tinha visto tantos perfumes num banheiro de mulher.
Ela riu. Começavam a ser amigos.
Fizeram almoço, almoçaram. Ele colocou um raminho de flores artificiais na mesa. Puxou a cadeira para que ela sentasse.
Lavaram a louça juntos.
Jogaram baralho a tarde toda. De repente estava escuro outra vez.
E foi uma sucessão de noites escuras de amor, e dias claros de risadas.
No quarto dia não havia mais carne em condições de ser utilizada, nem verduras.
Gustavo buscou um estoque de latarias, que seriam de seu próximo camping.
Comeram no chão, tentando imitar o que seria estarem acampados.
A quarta noite foi a noite do maior amor entre os dois. Sabiam que na segunda feira a vida deveria voltar ao normal.
Foi uma noite de amor terno e doce. Luz de velas, olhos nos olhos, boca buscando boca, sexo buscando sexo.
A manhã encontrou-os abraçados, e foram acordados pela campainha do telefone.
Não atenda, pediu Raquel…
Não, meu anjo, não vou atender.
Os elevadores voltaram a funcionar, a porta corta fogo abriu-se, a garagem começou a encher-se de carros, os porteiros ligavam para saber se estava tudo bem.
Raquel foi limpar a geladeira e o freezer, Gustavo foi trabalhar, Raquel trabalhou em traduções, saiu para comprar carne, pão e verduras, e de repente era noite.
Bateram à porta. Não a campainha, mas na porta.
Ela perguntou: Quem é?
Gustavo, meu anjo. Abre…
Ela abriu, e ele foi apagando a luz.
Vamos preparar nosso jantar, Raquel. À luz de velas.
E seu beijo foi tão doce quanto o vinho que trouxera. Comemoraram seu amor no único apartamento completamente escuro daquele prédio de trinta andares.








Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui