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Contos-->a agulha e a linha - apólogo de Machado de Assis -- 10/12/2002 - 15:27 (Roberto Cursino de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

- Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda
enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo ?

- Deixe-me, senhora.

- Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que
está com um ar insuportável?

- Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

- Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha.
Agulha não tem cabeça.

- Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus
lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

- Mas você é orgulhosa.

- Decerto que sou.

- Mas por quê?

- É boa ! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de
nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

- Você?! Esta agora é melhor. Você que os cose? Você
ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?

- Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um
pedaço ao outro, dou feição aos babados...

- Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou
adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao
que eu faço e mando...

- Também os batedores vão adiante do imperador.

- Você imperador?

- Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel
subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai
fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo,
ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da
baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa
de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não
andar atrás dela.

Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha,
pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.
Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante,
que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira,
ágeis como os galgos de Diana - para dar a isto uma cor
poética. E dizia a agulha:

-Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?
Não repara que esta distinta costureira só se importa
comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a
eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela
agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como
quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas.

A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se
também e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de
costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha
no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura para o
dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no
quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira,
que a ajudou a vestir-se levava a agulha espetada no
corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto
compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou
outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando,
acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

- Ora, e agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo
da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância?
Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas,
enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de
ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de
cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre
agulha:

- Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela
e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha
de costura. Faze como eu, que não abro caminho para
ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me
disse, abanado a cabeça:

- Também eu tenho servido de agulha a muita linha
ordinária.

(Machado de Assis)
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