Aqui não é tão estranho assim. Há muitas pessoas caminhando a esmo, blasfemando injúrias como se estivessem ébrias algumas parecem me amaldiçoar. Os espaços exíguos dão uma idéia de superpopulação. As ruas lembram as de um subúrbio, embora as casas estejam fechadas. O céu eternamente nublado anuncia uma chuva que não cai e o cheiro de éter no ar é nauseante.
Às vezes eu sinto bastante frio e fome. Quase sempre tenho que agredir seres inferiores que se agarram às minhas vestes implorando por alimento – curiosamente ainda não tive sede. Não sei determinar quanto tempo estou aqui, talvez dias, talvez horas. A ausência da noite confunde completamente minha noção e frustra as minhas expectativas romanceadas de escuridão.
Existe um local que funciona como uma espécie de divisa entre esse mundo e o plano físico. Ultrapassando é possível ver como está a vida sem minha presença. Nunca fui, nem tive a menor vontade. O estado emocional das pessoas quando retornam só provoca em mim repulsa. Fiz o que acreditava ser correto e não consigo me arrepender, até tento, mas as minhas convicções estão muito intactas. Admito que não podia continuar carregando tanta amargura, apesar da gélida solidão o meu fardo nesse lugar é bem mais leve.
Desde que ingeri as cápsulas algo queima dentro de mim incessantemente. Resisto graças ao meu orgulho e não cedo à dor, mesmo quando levado por ela encontro a calçada (aprendi a levantar com minha ira fortalecida e apoiar o meu ego em certezas).
Um dia senti muito a sua falta. Desejei cada afago, cada instante, cada palavra – mas logo passou – era apenas um devaneio. Agora não sinto mais, acho que minhas lembranças querem morrer também.
No meio de tanta gente desvairada não sou tão estranho assim. Misturo-me a multidão e com o olhar perdido ao longe caminho a esmo. Calado.
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