Logo cedo, quando o sol ainda espreguiçava aos primeiros raios sobre a face do sagrado Coração de Jesus, em frente à baia do Guajará, seguia intermitentemente o Sr. Benedito, o avô, e Jorginho, o neto, menino mulato, olhos castanhos sinceros, porém lá na feira a fama já era de levado. Os dois, iam como jovens amigos todos os sábados, religiosamente às Sete horas, caminhavam em direção ao mercado de peixe em busca de umas cabeças para aliviar a fome ou quem sabe mudar o cardápio da semana, que na conjuntura da época não mudara tanto, em relação ao dia de hoje.
O fato é que naquele dia, o Sr. Bené, como era conhecido, perdeu a lógica...Ele que era um homem, tímido, calmo e a mais ou menos 5 ou 6 anos viúvo, religioso e sempre bem intencionado, na casa dos Cinqüenta, permitiu-se a um furtivo olhar ao seu lado direito; como o sentimento não avisa, inspirasse, vem como um ímpeto da mais profunda intenção humana, ou quem sabe, no caso do Sr. Bené, solidão há tempos recolhida ao mais humilde canto do peito; deu---se conta de uma linda jovem, aproximadamente dezoito anos, morena, estatura mediana, olhos negros, cabelos enserenados pela noite mais escura, lábios carnudos nunca beijado e um ar terno sigilos, envolvente em sua formosura; toda talhada, humilde, mas de origens “folheada a ouro”. Filha de um fazendeiro exibicionista e uma senhora mãe, e que juntas, ironia do destino ou não, procuravam algo diferente, ou seja um cardápio diferente para agradar ao pai, em seu dia.
Enquanto no carro escuro, de janelas claras o chofer as esperava, os olhares por segundos centelhavam a única mensagem, que os olhos não vêem, tão pouco a cabeça é capaz de decifrar, embora a voltagem sangüínea, quase estilhace o coração no peito, fisionomeie aos atores da vida, uma ação tão louca, pois ambos poderão não se segurar e partirem de si a desconhecida reação, quanto apenas limitarem- se ao recato de suas emoções, pelas pessoas que são. Mas o impulso foi o sorriso, magia divina , de dizer ao mundo urbanamente selvagem , que no universo interior ainda somos felizes. Captada a mensagem por ambas...ambas ?
É verdade, D. Isabel também preconizou o rápido momento de teor, altamente concentrado de luz, entre os olhares daquele homem e daquela moça, que porventura era sua filha. De certo nada comentou, resolveu esperar o momento, ou quem sabe deixar ao esquecimento, aquele esquecimento, que quando criança fala um palavrão, a gente faz que nem ouve, prá não ser percebido o grau de censura social, que nós na maioria das vezes nos apoiamos, por pensarmos que algo assim , ira mudar nosso tão sonhado, por nossos pais, planos de evolução.
O pobre Bené, no impacto, até esqueceu seu neto, que já junto com outros moleques, saqueiros, vendedores de limão e pamonheiros, ensaiava o número do pulo nas águas barrenta do Guajará, sem saber nadar, se não fosse um velho conhecido, vendedor de peixe que muito conhecia o seu avô e que era colega de jogo de dama, xadrez, nos fins de tarde do Ver- o – Peso, no forte do Castelo, agarra-o pelo braço e leva-o de volta, quem sabe o rumo.
A bem do momento, enfeitiçado, seguia a moça entre a selvagem multidão, nas proximidades de uma farmácia apossou-se de uma mesa, solicitou do Sr. Ronaldo, um papel e um lápis, em que danou-se em rabiscar coisa alguma, ora, homem rude, semi – analfabeto, quase chorou sobre o balcão, como bem aventurado os que choram, pois eles serão consolados, deixou que o sensato amigo o ajudasse, sendo este o primeiro a saber o que se passará naquele coração. Exposto o que queria dizer, olhou agradecido, em poucas palavras podia-se entender o rabisco, foi-se feito criança no meio do alvoroço de pessoas, a procurar atentamente naquilo que mais parecia um palheiro, a agulha de seus sonhos. A frente de sua farmácia o Sr. Ronaldo pasmo, não sabia se o admirava ou se o criticava, ateve-se apenas em imaginar que o amigo iria precisar de ajuda. Neste meio tempo, o Sr. Cláudio, peixeiro, renomado no pedaço, com o Jorginho no braço, interrompendo as divagações do Sr. Ronaldo e ao lado ficou apreciando sem entender.
A aventura avança no tempo, entre saqueiros, vendedores de jambu, tucupí e carangueijos, os corpos se esbarram, um olhar mais profundo e aos moralistas, o imoral se estabelece, mas a coragem de um velho lobo, agora moço menino, revigorado pela furtiva paixão, ainda é a maior virtude e perguntou o que ela fazia; uma pausa , nervosa, mas tão bela que resplandecia naquele sol de mais ou menos quarenta graus, suave e educada verbou estonteada, que não trabalhava ainda, mas que após a universidade, iria trabalhar. Na hipnose da ânsia e do nervoso, o Jovem senhor nem se intimidou, ouviu atento os dois minutos de hálito agreste, depois apressou-se em apresentar-se a D. Isabel, mãe da moça, muito educada, parecia que ele estava entre duas rosas, parecia que já era de casa. O pobre vovô, voava além dos urubus,do cheiro de peixada no ar, entre as nuvens claras e a chuva fina que já molestava, quando aterrizou, ia entregar-lhe o seu papel rabiscado, ainda que a impaciência das duas tornava-se aparente, pois que ainda faltava alguns condimentos prá completar o almoço do pai enquanto às hora incansáveis avançavam. Ele na sua humilde, mas bem copiada, educação de televisão, beijava suas mãos e quando ia deixar o destino seguir seus impulsos, de súbito, tumultuo, de empurra , empurra, barracas prá tudo que é lado, bananas e tomates ao chão, gritos e acusações, misturados a voz de prisão, afastaram-se as senhoras daquele fuzuê, enquanto confundido com um marginal, Sr.Bené, acabou no camburão. Dessa forma esmaeceu-se a possibilidade do sonho tornar-se realidade; a moça e a senhora foram-se e o Sr. Benedito do camburão gesticulava, balançava o braço, em vão, ninguém conseguia decifrar a sua verdadeira agonia.
Na delegacia, reconhecido o engano, foi solto, lá fora assentou-se no meio fio e pôs-se a chorar, sem entender o delegado aproximou-se querendo justificar-se, pois pensava que o alarme todo era pelo vexame da prisão e feito senhor de hábito escutou o lamento daquele pobre e apaixonado senhor, que nem o nome de sua amada sabia dizer.
Dali a outros dias no mesmo horário e local, as mesmas barracas e pessoas transladando de um lado para o outro, o mesmo sol e cheiro, o rio agonizante no horizonte azul àqueles que lá faziam sua morada, era igual, normal, mas que ao velho Bené já não era o mesmo cais. Percorria com os olhos triste o caminho e os seus amigos, como que a obter respostas de seu amor, ilusão que não tornara-se realidade, pois ela jamais foi vista de novo.