Marcelo Carvalho
Em todas as tardes quentes, ele lembrava daquele corpo cuidadosamente esculpido, uma pele bronzeada, lábios grandes, pernas grossas, qualidades que o deixavam fascinado. Mas como o amor e o desejo nem sempre caminham na mesma direção, eles não se encontraram mais, o que não afastou de sua mente a lembrança de Amanda.
Era uma tarde qualquer e passava das três horas da tarde quando o telefone toca e uma voz rouca o surpreende:
- Boa tarde, como você está ? Não me ligou mais – disse Amanda, em voz insinuante.
- Estava viajando a trabalho, mas não te esqueci; pelo contrário, estava pensando em te ligar para fazermos uma happy-hour, qualquer dia desses.
- Aposto que você nem sabe quem está falando...
- Claro que lembro – respondeu com a convicção de que isto não representava a verdade, afinal tinha apenas a desconfiança de quem poderia ser.
- Diz meu nome... – e silenciou.
- Ah meu amor – disse, enquanto buscava na memória, a dona daquela voz – jamais poderei esquecer a sua voz.
- Você, sempre o mesmo... – disse ela sorrindo – só falta me dizer que está com muita saudade...
- Com certeza Amanda – arriscou, com alguma certeza de que não erraria.
- Se você errasse meu nome iria desligar e juro que nunca mais te ligaria.
- Ufa! – respirou ele, com ar aliviado por não ter errado – Não diz isso coração, estou com saudades de você e como prova disto, nesta última viagem que fiz, quase comprei um presente pra você.
- Quase !?!?!? – interrompeu ela.
Ele continuou a conversa, dizendo que não comprou o presente, pois não sabia a reação que ela teria ao receber dele uma calcinha e um sutiã branco de seda, da cor e modelo que ele gostava, depois de tanto tempo sem se verem.
- Viu como você é um tremendo falador e além disso um medroso? – irrompeu ela, aos risos – Compra se tiver coragem ?
- Mas você vai vestir ? – indagou.
- Compra ...
- Vou fazer um jantar de reencontro na minha casa e lá te entregarei o presente. Você vai vestir?
- Compra !!! – repetiu Amanda, em tom de desafio.
Trocaram mais alguma gentilezas e desligaram. Ela precisava estudar para a prova da faculdade. A data da janta estava marcada para a próxima quinta-feira, com a condição da entrega do prometido presente.
Norbeto era jovem, já tinha feito muitas festas, era homem pouco inibido, mas nunca entrara numa loja para comprar lingerie. Estava lançado um novo desafio.
Noite de quarta-feira, véspera do encontro, ele liga para confirmar o programa e recebe a cobrança e também a promessa que nada acontecerá se ele não comprar o tal presente. Até então ele achava que era trote de Amanda, mas na manhã seguinte, quando recebeu o telefonema para confirmar como e onde ela o encontraria, percebeu que realmente teria que enfrentar a constrangedora situação de entrar numa loja exclusivamente feminina, para comprar o conjunto lingerie.
- Qual o tamanho ? – perguntou a ela com a voz embargada.
- Você não sabe qual a minha numeração !!!
- Mas ... – tentou interromper sem sucesso.
- Lembra de minha cintura, das minhas pernas, do meu corpo que tanto dizia gostar e logo vai saber qual o meu número... – e riu como se zoasse do pobre homem, que agora se parecia como um menino em suas mãos.
Mais esta... teria que comprar peças intimas tendo que explicar o tamanho com palavras, pensou. A manhã passou voando, veio o horário do almoço mas, como convidar um colega para tal cena ou, pior, convidar uma colega seria duplamente constrangedor. Almoçou, voltou ao trabalho e nada além do fato de entrar na loja fazia parte de seus pensamentos. Pensou, pensou e decidiu:
- Vou lá e agora.
Saiu da sala em passos miúdos para não perceberem sua retirada. Entrando na loja, uma vendedora veio em sua direção:
- Pois não senhor ? – perguntou com boa educação.
- Gostaria de comprar um conjunto de lingerie, calcinha e sutiã, branco e de seda – sua voz estava embargada, tamanho o constrangimento que sentia.
- E qual o número ?
- Bem ela tem mais ou menos o meu corpo.
- Qual o seu número de calça senhor ?
- Uso número 38, mas para ela deve ser 40.
A vendedora alcançou a ele a parte íntima e perguntou se era aquele o tamanho. Ele pegou a peça na mão, analisou, pensou em medir na cintura mas logo recuou, imaginando o olhar analítico das pessoas quando ele fizesse aquele gesto.
- E a parte de cima ?
- Bom, ela ... – e olhou em sua volta procurando uma referência – são de tamanhos médios...
Percorreram alguns corredores à procura do conjunto que ele queria, sempre constrangido, a desviar de olhares. Era o único homem na loja e isso o incomodava. Rodou, olhou, já queria qualquer um para poder ir embora mais rápido. Finalmente encontrou um modelo de seu gosto. Dirigiu-se ao caixa para efetuar o pagamento, quando uma senhora de idade quase cai da escada causando um grande barulho e chamando a atenção de todos da loja para a direção de ambos. Com boa educação, ajudou a idosa senhora a subir as escadas e chegar ao caixa. Mesmo com este gesto, ainda continuava a sentir-se como um peixe fora d´agua, sensação que só foi acabando a cada passo que dava em direção a porta de saída. Sem olhar para trás, caminhou e aquele caminho parecia aumentar como o tempo que passou ali dentro, que pareceu-lhe uma eternidade.
Como toda mulher, Amanda não estava no local na hora marcada; chegou alguns minutos atrasada, logo após o telefonema do impaciente amante. No caminho até a garagem onde estava seu carro, falaram sobre o stress da rotina de trabalho e da faculdade e, assim, conversaram até a casa de Norberto, que ela ainda não conhecia. Ele apresentou sua residência nova e desculpou-se pela bagunça.
- Sabe como é casa de homem solteiro.
- Norberto, é bem legal teu apartamento !
Agradeceu os elogios pediu licença para tomar um banho, afinal, após um dia de trabalho o perfume já não tinha o mesmo efeito. Antes apontou para sua coleção de CD´s, dizendo para ela se sentir em casa, para trocar a música, tomar alguma bebida ou simplesmente ver televisão.
Após o banho os dois conversaram deitados na cama de casal, estirados, corpos largados e papo descompromissado por quase uma hora. Foi quando ela o surpreendeu:
- Norberto, você não é mais o mesmo, em outros tempos você já estaria me seduzindo com gestos e palavras.
- È que ... – tentou ele, sendo interrompido pelos dedos de Amanda em sua boca, como quem pede silêncio. Beijaram-se ardentemente como da primeira vez e, quando ele tentava lhe tirar as últimas peças, ela levantou e disse:
- Onde está meu presente ?
- Tive uma reunião à tarde e não comprei – brincou.
- Então ficamos por aqui. Seu tratante ! – disse a fitar-lhe os olhos.
Ele levantou, caminhou até uma sacola de tênis e retirou o tão famoso presente.
- Aqui está ! Como prova de meus pensamentos e de minha vontade de ter você em meus braços – esclareceu, com ar de gozador – Agora vamos a sua parte do desafio – rebateu.
Amanda caminhou em direção ao banheiro, dizendo:
- Vou tomar uma ducha e cumprir minha parte – fechou a porta, só abrindo para dar-lhe o recado que da próxima vez que ele for tomar banho, primeiro tem o dever de convida-lá.
Alguns minutos depois ela anunciou que iria se retirar do banheiro já vestida com o novo conjunto. Caminhou na direção do deslumbrado como quem desfila para seduzir sua presa. Neste jogo de sedução transaram sem culpa, com saudade e fogo de velhos e bons amantes. Norberto foi para a cozinha preparar o jantar e Amanda adormeceu, sendo acordada quando a mesa já estava preparada e a refeição quase pronta, uma massa com molho branco e, para acompanhar, um vinho tinto. Jantaram, cantaram, dançaram e foram para o quarto ver a novela que estava em seu último capítulo e que Amanda não poderia perder. Ao final da novela, envolveram-se novamente em beijos, toques e conversas ao pé do ouvido. O fogo era tanto que resolveram tomar outro banho, só que desta vez, juntos. Esqueceram do horário; já passava de uma hora da madrugada e, no chuveiro, começaram as carícias que, não contidas, se tornaram em novo ato, com gritos altos, capazes de acordar os vizinhos. A cada novo cômodo que iam, uma nova loucura. Foi quando resolveram brincar num “puff” inflável que estava na sala, perto da porta de saída. À medida que a loucura aumentava, os gritos também aumentavam e foi quando ouviram a campainha tocar uma, duas, três vezes. Então pararam e a campainha tocou novamente; ele levantou, indo até o olho mágico e percebeu a presença da síndica, com quem, apesar do pouco tempo que
morava ali, já havia se desentendido. Fizeram silêncio, riam contidos, caminharam em direção à cama e ali adormeceram num sono profundo. Dormiram... dormiram e até esqueceram que Amanda precisava chegar em casa antes do amanhecer.