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Contos-->Virtudes da Interrupção -- 21/12/2002 - 00:10 (Alex Martire) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Virtudes da interrupção

Enquanto trancava sua porta, que agora estava velha, suja, quebrada, mas que nem sempre fora assim, pensamentos vagueavam por todos os lados. Queria imaginar sua vida se refazendo: morrendo, nascendo, crescendo... crescido! Aí está bom! Por volta de seus vinte e cinco anos. Aprendera a pensar ainda jovem. “De que me vale tudo se não tenho nada? É fácil mandar as pessoas se calarem, o difícil é dar razões para que elas se calem!”.

Quando alugou o pequeno cômodo na rua ao lado da praça, acreditava ter uma vida justa, perfeita, “digna de mim”. Durante vários pores-do-sol, naqueles dias em que a noite chega, sorri, carrega e se vai com nossos problemas para, novamente, ao amanhecer, brindar-nos com sua estúpida face nas gotas de orvalho, o inquilino voltava-se para dentro de si. Da pilha de discos que jazia ao lado de sua poltrona, desenterrou um russo. Da caixa quase vazia encostada na lareira, ressuscitou um charuto. Dava baforadas as quais dançavam a sinfonia de Tchaikovski e iam morrer perto das estrelas. Então, abria seu livro e encontrava Natasha Rostov. Com a garganta molhada de vodca e a alma rasgada pelo calor, o suor que escorria de sua fronte, amava a menina. Recordava-se do choro manhoso que ela fazia ao acordar cedo, ou então, de sua lânguida carne jogada aos infortúnios do amor. Ah... se ela ao menos fosse real! Quais mãos nunca pensaram em acariciar seu rosto? Exsicar sua lágrimas não com lenço e sim com palavras gentis? O pigarro voltando tirava-lhe a atenção das páginas e a arremetia a sua saúde. Não podia fumar. O álcool fora proibido há muito pelo médico. Mas a música... essa ninguém poderia lhe tomar, ninguém!

Lembrando de sua adolescência, as pupilas dilatadas pelas drogas logo se umedeciam. Tentava mudar suas memórias. Quem sabe convergi-las para algo mais alegre, útil, prazeroso? Não, sua adolescência também havia sido alegre, útil e prazerosa. Apenas não gostava de se recordar do fantasma que o assustava. O fantasma de amar alguém nunca o incomodou, pois amou muitas pessoas. Algumas fisicamente, outras mentalmente, essas últimas eram as que mais doíam. Mas isso não importava mais. “Apenas o destino, apenas o destino” – repetia para si quando algo dava errado. O que lhe importava era o sabor amargo de nunca ter sido alguém. Esforçou-se muito nesse sentido, mas nada! Quando tinha idéias novas, eram facilmente abafadas por repressões da família, conhecidos, amigos... Amigos dos quais somente um amou: Fortuna. Essa deusa que nos dá tentação para que façamos o impossível em busca de seu beijo. Caímos ajoelhados perante ela. Matamos por ela. Morremos por ela. Sua busca por Fortuna se acabou ao realizar seu sonho de ser famoso, rico, amado! Publicou, ainda nos seus vinte e seis anos, críticas no jornal local. Críticas que renderam uma boa fama e uma dose farta de dinheiro. Amado foi ao conhecer um anjo. Anjo que partiu dez anos mais tarde, deixando-lhe só, sem abortos no mundo para que fossem sustentados.

Sobreviveu. Fazia da escuridão seu refúgio. Pôde gozar da tranqüilidade em seu quarto. As cicatrizes que sobraram eu seu pulso eram passado. Encontrou a paz nas silenciosas igrejas da cidade. Incríveis são as igrejas! Emocionava-se ao ouvir os cantos gregorianos. Quando saía do templo e crianças pediam alguma esmola, apenas sorria e seguia. Apesar de sempre pensar, não enxergava a necessidade alheia. De sorrisos e padres o Inferno está cheio. De atitudes e esperanças o Purgatório está cheio. De imbecis e cegos o Céu está superlotado. Não pensava nas origens dos luxuosos bancos em que se sentava para, todos os dias, abaixar a cabeça perante algo invisível. E o ouro que “torna incrivelmente bela a decoração dos castiçais”? Problema de raízes profundas como algumas freiras que existem, alguns dizem. Mas, como já foi dito antes, apenas a Fortuna (agora alcançada) é que lhe importava. Se alguma puta deu vida a um bastardo não era de seu interesse.

Ao fechar a porta e sair, não mais retornou. O ônibus que o levaria para a cidade vizinha, foi o último. Tchaikovski voltaria para seu túmulo. Cuba perderia mais um cliente. “De que me vale tudo se não tenho nada? É fácil mandar as pessoas se calarem, o difícil é dar razões para que elas se calem!” – pensou nisso a última vez quando, ao receber uma carta de seu irmão residente na cidade vizinha, viu que de nada vale um esforço desumano se os seus pensamentos são fúteis. O último livro que escreveu foi um fracasso. O dinheiro havia se acabado. Fortuna finalmente sorriu.

Viveu mais alguns anos na casa do irmão. A vodca, sua maior paixão, foi o fator responsável pelo agravamento de sua frágil saúde. Enquanto rezava deitado em seu leito hospitalar, uma síncope o atormentou. Não prestou atenção nas enfermeiras que corriam para acudi-lo, isso não lhe importava. Não as ouvia ou sentia. Sabia que iria morrer ali, na iminência da meia-idade. Fechou os olhos e suspirou pela última vez. No canto do quarto, Natasha Rostov desvanecia-se em lágrimas.
Alex Martire
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