Quando dei por mim já estava no banheiro da garagem. Era lá que os porteiros tomavam banho e faziam suas necessidades. Até aí, ótimo. O lugar era bem espaçoso, limpo, bem limpo. Havia uma “ante-sala” onde ficavam os armários dos funcionários, uns móveis velhos e uma geladeira que eu mesmo dera para refrigerarem o que bem entenderem no verão. Achava justo, já que tinha geladeiras sobrando, devido a mudança de meu pai para a clínica.
Eu havia ido comprar duas bisnaguinhas para fazer um lanche. Mas não deu tempo. Acontecia de vez em quando.
A vontade vem subindo enquanto dirijo e quando desço do carro, em direção ao elevador, tenho a plena de consciência de que não vai dar tempo.
Quando erro o cálculo acontece aquela sensação desagradável. Não podia arriscar.
Então era eu. Quando notei a falta de papel higiênico, pensei comigo mesmo: - Nada de desespero.
Na lixeira ao lado do vaso, havia jornal usado. Pensei comigo : - Sobrou jornal...
Embaixo da pia que estava ao meu lado direito havia um armarinho com porta de plástico. Ora, eu mesmo guardava papel higiênico num armário como aquele. Haveria jornal lá! Quando abri, estava vazio.
Podia ouvir as vozes de pessoas que desceram do elevador e encaminhavam-se a seus carros. Tomara que não entrem aqui - pensava, referindo-me a ante sala. Alguns guardavam coisas rapidamente enquanto iam em suas casas.
Haviam dois ou três jovens no grupo. Era o pessoal da banda de pagode. Porra, claro que sabiam que tinha um banheiro ali! Todo jovem mija em qualquer lugar. Só me faltava quererem ir no banheiro agora... – refletia, tenso pela situação da possibilidade de alguém queerer usar o sanitário.
Quando fizeram a manobra, aliviei-me. Não despejar mais de minhas fezes, mas deixei a tensão de lado.
Voltei a questão principal. Havia comigo : uma cueca velha, duas meias, minha calça jeans, a camisa, um maço de carlton, um isqueiro, 2 notas de um real, 3 medas de 10 e uma de 25, o celular, o pão embrulhado, um par de sapatos de cou... Um pão embrulhado! Um pão embrulhado!...
Olhei para as bisnaguinhas. Pensei então : (se você, caro leitor, está pensando que a bisnaguinha seria utilizada inteira... Olha lá, sou espada! Sou espada!). Voltando; pensei que o miolo seria uma maneira absorvente de limpeza, enquanto a casca daria-me a firmeza necessária para o ato. Eureka! Mas, espera aí... Tanta fome nesse país... É claro! O papel do embrulho... Porra, isso ia espalhar a lama, já que meu intestino não estava num daqueles dias... A cueca é a primeira a dançar. Mas tão novinha...
Foi aí que aquela maravilha da tecnologia mostrou-se sobre a pia. O celular! O celular é para essas horas. Minha namorada estava em casa! Bingo!
Passei ainda uns dois minutos na dúvida. Era uma nova namorada, ia achar que sou maluco... Que situação...
- Alô, amor?
- Onde cê tá? Você disse que ia ali e já voltava. Tô te esperando até ago...
Afastei o telefone do meu ouvido. Como era ciumenta. Se soubesse na situação que estava não ficar de blá-blá-blá...
- Amor, já tô prédio.
- Ahhhnnnn....
- Mas não posso subir. Preciso de você.
- Fala.
- Sabe a garagem.
- Sei.
- Sabe o banheiro dos porteiros, perto do elevador.
- Sei.
- Tô aqui.
- E daí.
- Você pode achar o pedido inusitado. Talvez o mais estranho da sua vida. Nem sei como te dizer. É que... Hummm... É...Tô sem papel!
- E eu com isso.
Que ódio!! “E eu com isso...” . Ela ia ver só!
- Porra, desce aí e traz um rolo!
- Há! Há! Há!
O que ela quis dizer com isso. Vai descer ou não vai. Que ódio! Vou cagado pra casa! Vai ter de lavar a cueca cagada.
- Tá rindo de que? Vai ou não descer?
- Vou!
- Tchau.
Desliguei o aparelho. Antes de ouvir o barulho dela no elevador desceram duas senhoras idosas que, pelo papo, nascera um neto de uma delas. Ouvi baterem a porta. Pânico!
- Tem gente!
Mas era ela. Pensei como o celular já havia salvado gente de seqüestro, assalto, essas coisas. Bunda suja, talvez tivesse sido o primeiro. Grande cara esse o inventor do celular; Grande cara...