Outro dia, passeando pelas ruas de vida, deparei-me com um banco de praça. Ótimo. Era tudo que eu queria. Era só o que me bastava. Estava atenta. A mim e aos outros. Pensando em meus erros e acertos. Culpando-me e desculpando-me. Um perdão angelical. Muito bom se perdoar. Se permitir ser feliz. Perdoar e esquecer...
Em meio à filosofias de banco de praça ouvi uma voz macia e rouca. “Dia bonito, né filha?”. Lentamente voltei-lhe o rosto. Havia uma figura com olhos nebulosos. Triste. Olhar de fim de festa. Olhar de cansaço. De saudade. De nostalgia.
Como sempre, na minha curiosa cabeça poética, a pergunta pulou de minha boca: “A Sra. ainda se apaixona”? Ela me olhou espantada, porém sorridente- “Minha filha, na minha idade só conto o tempo...”. Calei. Será que ficarei assim desse jeito, acreditando que amor tem idade, que paixão e idade não combina. Que é feio se apaixonar. Que não cabe mais. Porque o corpo envelheceu. Porque a alma mofou. Estagnou?
Insistente como sou , perguntei de novo: “Porque se acha velha para o amor?”. Desta vez ela gargalhou. Uma gargalhalhada velha, empoeirada, debochada. Insana.
Levantei-me e olhei-a de frente: “Não sabe responder?” Ela não se zangou e retrucou “Velho com velho dá reumatismo...”. Firme olhei-a e repliquei “Não acho não. Acho que velho com velho pode se somar experiências” Ela sorriu de novo e me ignorou. Continuou pensativa. Distante. Com aquele olhar perdido de expectador de janela.
Procurei outro banco para refrescar as idéias. Mas o que a velha ouvera dito martelava em minha cabeça. Conversei com meus botões. O frio aumentou. Um frio do olhar frio da velha. Levantei-me rapidamente: “Não. Não é assim não!”
Voltei ao banco da velha. Ela levantou-me o rosto enrugado e ficou à me fitar. Insisti de novo. Desta vez falei de uma só vez. “Desculpe, mas não vejo assim não... Paixão de alma existe. Paixão de corpo envelhece. O amor permanece e perpetua”. Ela me olhou esperando o final do meu discurso.
Continuei a falar como se falassse pra mim: “... quem sabe um dia, algum outro que pensa como a Sra. sentará ao seu lado. Com os mesmos olhos vazios igual ao seu. Voce olhará para ele. E... acontece...”
Agora seu sorriso foi amplo e mesmo um tanto quanto desconfiado ainda, notei uma luz de esperança: “Você é a primeira pessoa que me diz isso...”. Sorrindo lhe respondi: “...e talvez seja a última. Pense bem!. O que nos resta nessa vida se não a nossa amiga esperança?
Agora seu corpo já começava a receber o recado das minhas palavras. Sua postura ficou mais ereta. Arrumou um pouco o cabelo que o vento insistia em desarrumar. Vi de relance a velha consertando sua roupa. Ajeitou-se mais um pouco. Um perfil mais tranqüilo. Consciente ou inconsciente?
Despedi-me com um sorriso de quem fez uma boa ação. Fui embora com uma felicidade fraternal. Falei para ela e para o meu coração, para que um dia quando ele se sentir velho assim lembre-se de ter sempre esperança. Eu, com certeza, lembrarei o que falei para a velha.
E de uma forma ou de outra, hoje fiz uma alma mais feliz!.