Eu devo estar sonhando, é isso. Cochilei no meio da apresentação e estou tendo algum tipo de "deja-vu", só pode ser. Imagine se iriam fechar o teatro, apagar as luzes, trancar as portas e deixar alguém dormindo na segunda fileira do primeiro balcão! Só mesmo em sonho... Mas devo admitir que este sonho está aterradoramente real. Posso até sentir o toque gélido do braço do assento estofado de couro, roçando involuntariamente as pontas dos meus dedos suarentos.
Para onde será que foi todo mundo? Será que eu dormi por muito tempo? Mas que droga! Meus olhos não estão conseguindo se adaptar à escuridão. Até parece que estou usando uma venda! Nenhum único ruído. Apenas a sensação de estar sozinho numa vastidão; um mísero e indefeso grão de areia em meio a um infinito de trevas e escuridão. Começo a sentir o suor gelado escorrer pela minha testa...
Não posso ficar aqui parado, de braços cruzados e quase fazendo xixi nas calças como se fosse um garotinho do Jardim de Infância. Resolvo tentar uma comunicação:
—Alô-ô! Tem alguém aí-í?
Nada. Apenas o retorno quase imediato do meu eco, ressoando assustadoramente por toda a excelente acústica do teatro solitário. Meu coração deu um pulo e eu me afundei ainda mais no acento, como se estivesse numa barricada. A essa altura eu já estou tão encharcado de suor, que pareço ter me atirado numa piscina com roupa e tudo. Eu sei que não vou conseguir me levantar do meu lugar, tatear pelo escuro entre as fileiras de assentos até as escadas e procurar sair dignamente pela porta da frente. Preciso que alguém acenda as luzes. A sensação de abandono não vai me deixar eu levantar daqui. Tento novamente:
—Tem alguém aí, por favor?
Novamente o eco. Seguido por um longo silêncio. Então veio a batida, tão nítida e firme quanto a martelada de um juiz num tribunal:
—Tun!
Não consigo reter o grito. Sinto algo quente e molhado empoçar a frente das minhas calças. Meu primeiro reflexo é encolher-me ainda mais no meu assento. Quero sair correndo mas ainda não consigo enxergar um palmo à frente do nariz. Fecho os olhos bem apertados e começo a rezar para despertar logo deste pesadelo, respirando profundamente pelo nariz e soltando o ar pela boca. Aos poucos meus batimentos cardíacos vão se normalizando, a racionalidade voltando a tomar conta do meu cérebro, diminuindo a tensão dos meus nervos. Chego mesmo a questionar o meu pânico de agora à pouco. "No mínimo o barulho foi feito por algum funcionário, algum vigia noturno" — argumento comigo mesmo. "Com certeza um teatro como este não fica sozinho durante a madrugada inteira". Pergunto novamente:
— Ei amigo, responda por favor se há alguém aí!
Novamente outra batida:
—Tun!
Desta vez eu não grito. Dou uma pequena risada e pergunto de volta:
— Escute aqui, é alguma espécie de brincadeira? Você está gozando da minha cara?
—Tun! Tun! — duas batidas em resposta. Ambas monotonamente iguais.
Longo silêncio. Prendo a respiração para ver se consigo distinguir algum ruído que identifique outra presença humana ali — uma respiração, passos, algum estalar de juntas, o tilintar de moedas dentro de algum bolso. Nada. Silêncio total e absoluto. A atmosfera de um grande mausoléum. Penso que se eu ainda fumasse, poderia acender o isqueiro e facilmente encontrar o caminho para sair desta loucura, mas infelizmente eu larguei o vício há duas semanas e não carrego mais esse tipo de acessório.
Inevitavelmente começo a associar a atual situação com aquelas velhas histórias de sessões espíritas, com copos andando e mesas girando sem ninguém tocá-los, misteriosas batidas na parede —uma para sim, duas para não — e isso me faz engolir em seco. Apesar de aumentar teoricamente a possibilidade de alguém estar fazendo comigo uma brincadeira de muito mau-gôsto. De uma maneira ou de outra, resolvo entrar na onda:
— Está certo, amigo... vamos fazer do teu jeito! Responda com uma batida para sim e com duas batidas para não. Combinado?
— Tun! — uma batida firme e decidida. Mais vigorosa que as anteriores.
— Ok, ok... Me responda uma coisa: eu estou sonhando?
— Tun! Tun!
— Você está brincando comigo?
— Tun! Tun!
— O que você quer?
Pausa. Outro longo silêncio em resposta. Silêncio daqueles que fazem nossos ouvidos zunirem. A escuridão continua tão compacta, que a paisagem não se altera, independentemente d eu estar com os olhos abertos ou fechados. Começo a sentir frio. Mando outra pergunta direta:
— Você quer alguma coisa de mim?
— Tun!
— Diga o quê, seu covarde invisível!
Novo silêncio. Começo a sentir mais frio e estranhamente volto a suar.
— E então? — intimo eu mais uma vez, aproveitando ao máximo este súbito acesso de valentia. — Não vai mostrar a cara? Pode acreditar que se você quiser engrossar, eu estou preparado! Vamos ver que tipo de "fantasma" é você...
Mais uma vez um silêncio prolongado. Então eu sinto um formigamento na minha face direita, como se fosse uma corrente elétrica de baixa voltagem. Um segundo depois, o mais forte e repentino golpe de vento que senti em toda a minha vida atravessa na frente do meu rosto, deixando um rastro gelado com leve aroma de lixo, de matéria em decomposição, para em seguida ir arrebentar do outro lado do salão, produzindo o mais ensurdecedor barulho de estilhaço de vidro que eu jamais imaginei. Fico completamente sem reação, achando que vou infartar ou algo parecido. Como eu poderia imaginar que uma simples ida ao teatro, para assistir a um musical, iria se transformar neste terrível pesadelo? Eu apenas preguei o olho por alguns momentos e quando acordei...
Novo barulho. Desta vez é um grito de mulher. Alto, agudo, horripilante. Sem dúvida alguma o grito de alguém que está sofrendo muito. Um grito de alguém que está sentindo um ferro em brasa penetrar na carne rosada de suas mucosas. Um grito de gelar a espinha...
Entro em pânico mais uma vez e começo a gritar, perdido no meu próprio desespero:
— Tem alguém aqui? Eu sei que tem! O que está acontecendo?! Pelo amor de Deus!!! Eu só quero sair daqui...
Desta vez a resposta veio imediata, cínica, direta:
— Tun!
Eu desisto. Se não desmaiei de medo até agora, não irei mais desmaiar. Preciso me locomover, afinal de contas, mesmo na total escuridão, o teatro não é um ambiente tão estranho assim. Já estive aqui várias outras vezes e sou perfeitamente capaz de trilhar o caminho para fora, refazendo mentalmente o percursso. Basta um pouquinho de concentração e...
Uma maldita voz começa a falar nitidamente dentro da minha cabeça:
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
Eu não consigo resistir à ela e o ato de me levantar torna-se um esforço impossível. É como se a força da gravidade tivesse sido multiplicada por quatro, cada uma das minhas pernas pesando uma tonelada...
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
...e essa voz insuportável repetindo isso sem parar, lá dentro dos meus miolos. Eu começo a suar frio... A voz se tornando cada vez mais alta...
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
Não pode! — penso eu — isso tudo não pode ser real. Isso está acontecendo apenas na minha imaginação, é uma reverberação do meu subconsciente. Nada que o Dr. Freud não explique...
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
...reflexos dos meus medos mais profundos. Espectros da parte mais sombria da minha mente.
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
Algo que eu posso reprimir através do esforço consciente, da força de vontade. Basta focar a imaginação em outro objeto.
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
Mas simplesmente não consigo focar esse outro objeto. Tudo o que aparece na minha mente é o escuro, o silêncio sufocante da imensidão do teatro vazio. E é claro, a voz que não pára de repetir de modo monótono e persistente:
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
Eu sei que se eu não me movimentar, não procurar sair imediatamente, algo terrível irá me acontecer. Algo de tremenda gravidade na minha vida — a morte? — e eu não posso simplesmente me permitir ficar aqui sentado sem nenhuma reação. Existem pessoas queridas na minha vida, algumas dependem de mim para viver e eu não tenho a menor intenção de abandoná-las agora. Mas a voz na minha mente exerce uma atração irresistível. Já não sei bem se quero resistir à ela:
—"Permaneça no seu lugar... Permaneça no seu lugar..."
A lembrança de pessoas queridas me dá forças para encher o peito de ar e preparar um grito lá do fundo das entranhas. Porém, antes de liberar minhas emoções pela garganta, descubro horrorizado que não consigo visualizar o rosto de nenhuma delas. Isso parece me dar mais força para gritar:
— SAIA DA MINHA CABEÇA, DESGRAÇADO!!! SAIA, SAIA, SAIA!!!
Então, surpreendentemente a voz silencia. Um único compasso, mas tempo o suficiente para que eu consiga transformar o gelo do meu estômago em energia e levantar do assento, me colocando de pé no corredor. Subitamente, a coisa mais fantástica e aterrorizante que já vi na vida...
Ouvi falar várias vezes no ectoplasma e até li algumas matérias sobre este assunto na época em que estava na faculdade. Nunca havia levado muito a sério esse papo esotérico, até porque sempre me considerei um cara prático, com os pés no chão, um sujeito bem realista. Mas agora...
Foi praticamente simultâneo. Outro horrendo grito de mulher torturada vindo do nada e então, uma mão se materializou diante de mim: uma mão feminina, de longas unhas vermelhas, anéis prateados nos dedos e uma manga de renda branca com detalhes bordados em preto. Um brilho fluorescente a envolvia, como se fosse uma holografia. Só que de holografia nada tinha.
Uma fração de segundo depois — sim, a aparição durou apenas uma fração de segundo, mas foi aterrorizante o suficiente para marcar minha memória para sempre! — ela espalmava contra o meu peito com a força de uma locomotiva, jogando-me novamente no assento e comprimindo diretamente meu músculo cardíaco.
— Meu Deus... Meu coração está sendo esmagado... — tento berrar, mas tudo o que sai é um mísero balbucio. O suor gelado escorrendo da minha testa e a dor lancinante no lado esquerdo do peito.
— Eu realmente permaneci no meu lugar — é a última coisa que passa pela minha mente antes de tudo apagar.
Tenho tempo de ver ainda um sorriso flutuando diante de mim na escuridão do teatro, e isso me faz lembrar do gato da estória de Alice no País das Maravilhas...