Da janela do meu apartamento, ouço o pesado rufar de botas no asfalto. Passos marcados, repletos de decisão; passos que rumam convictos para uma direção. Passos que marcham para frente e que jamais — em hipótese alguma — recuarão.
Bandeiras vermelhas, cor de sangue — para lembrar-nos que somos todos irmãos — desfilam pelas ruas, lado a lado, amalgamadas com o nosso Pavilhão Verdamarelo do Cruzeiro do Sul. O vento tépido tem o aroma da própria mudança...
Os batalhões marcham, as botas continuam a rufar. Não os batalhões militares, tirânicos e opressores, mas batalhões formados pelo povo, por heróis trabalhadores. Foices, martelos e enxadas em punho —auxiliados por canetas e compassos afiados e apontados para a Justiça. Hoje é o dia da redistribuição, o dia de transformarmos esta colônia numa Grande Nação, numa Nação de Irmãos. Aquele que se recusar a compartilhar irá tombar. Nada é de ninguém, tudo é de todos. Nossa Pátria será como o ar.
Os bancos fecharam as portas, o shopping center não vai mais abrir. Quem precisa juros e luxo se nossos irmãos não têm nem o que vestir? Como podes te preocupares com teu falso patrimônio, se teu irmão não possui nem mesmo dignidade, e transforma o lixo de tua casa burguesa na principal refeição da continuidade do sangue brasileiro? Cria vergonha na tua cara imunda, oh imundo burguês... Levanta teus olhos e encara de frente a tua ruína! Teu sangue irrigará as plantações que alimentarão os filhos da nossa terra.
Da janela do meu apartamento, eu ouço os cânticos entoados em homenagem aos novos tempos. Esses cânticos têm o aroma do suor e do sangue derramado por brasileiros ao longo da edificação deste país. Brasileiros que trazem no olhar a doçura de quem não aprendeu a odiar e no rosto a firmeza de quem se decepciona sem reclamar; a profundidade dos vincos de fome dos trabalhadores que não conseguem se alimentar e os dissabores de nossas irmãs que se prostituem para satisfazer as taras imundas que a burguesia insiste em disseminar. Os cânticos são como os ventos: nosso anseio por mudança. Ninguém pode se esconder. A Revolução à todos alcançará.
Vá até a janela. Preste atenção.
Ouça os passos a rufar...