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Contos-->Chincheiro de Ogum -- 02/02/2003 - 00:25 (Jactâncio Futrica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Chincheiro de Ogum


O camarada tava alteradíssimo de raiva. Gesticulava pouco, mas sacudia-se eletricamente:

_ Eu quero mais é que se foda essa cambada de gente linguaruda! Tô me lixando pr’esse povo! Vou levar a minha vida preocupado com mané dona candinha dona chiquinha e o seu zé da esquina? Aqui, ó!.. e no fuêro, o quê que lá vai?! Vou ser sempre isso aí... tu me conhece!.. Eu trabalho pra caralho, não devo nada a filho-da-puta nenhum... Vai querer botar moral pra cima de mim?.. então vai lá no banco e bota dinheiro na minha conta, porra! paga o meu supermercado!

_ Péra lá, vamo devagar... cumé que foi essa parada? Toca aí, direitim. Cê tá muito alterado... Começa do começo.

_ Pô, é uma foda!.. Eu tava no motel com a Julinha... aí eu senti que ela já tava meio assim comigo... cheia de merdinha, tipo galinha choca. Nem fiquei encucando. “Qualé, ô madame?! Desenruste logo, que esse negócio de cuzim doce comigo num vinga não!”... Ela disse que ficou sabendo que, além de maconheiro, eu era ladrão!.. Ladrão, cara, vê só! “Ô, minha filha, mas que porra é essa de ladrão?! Tomá no cu! Tu andou fumando demais ou o quê?! De onde cê tirou essa idéia atravessada?!”... E ela nada! Contou o milagre, mas não dizia o nome do santo. Eu ali falando, dando pulo de raiva, querendo saber o nome do intriguento, e ela só na mesma... Só depois dum sacode arrumado ela desembuchou! Aí fiquei sabendo que foi um pai-de-santo, um vagal lá da Vendinha que buzinou pra ela... falta do que falar, falou merda. E se trumbicou bonito! haaá meu amigo, pensano o quê?.. Querendo ganhar nome às minhas custas? É ruim, heim! Quem lava bunda de pato é lagoa, mermão!

_ Mas vem cá: o quê que ela tava arrumando cum pai de santo... e lá na Vendinha?

_ Ela foi se consultar... olha que gracinha!.. pedir conselho pra vagabundo! Aí o artista dá um tremelique e finge que tá encorporado; sai falando uns lengalenga pra engrupir os coitado, fazendo sotaque de gringo, e os babaca ali: amém! amém! amém pra sem-vergonhice do cara...

_ Esses pai-de-santo é tudo transviado, saca? Fica o dia inteiro de fofoca, fuxiquinho, segredinho com tudo quanto é tipo de mulher à toa... essas doninha encostada... essas mocinha nova que tem alergia a um batente... aí é aquela história: fica sabendo da vida de todo mundo num raio de 200 quilômetro... inda mais você, que é um cara conhecido! Pode crê. E na hora de fazer o número pros otário, o vadio fica ali, fazendo de conta que é os orixá que tão soprando o bizu quentinho na orêia dele...

_ Só que dessa vez o pilantra ouviu conversa demais. “Mi zi fia, sai dessa! Esse seu namorado é ladrão e maconheiro.” Ah, meu amigo! fiquei muito injuriado com aquela idéia! Já tinha matado quase uma garrafa de Orloff... comecei a dar ataque... apaguei uma bituca na cabeça dela, de raiva!.. O desgraçado é um tal de Sanderlei, mais conhecido como Calça-Frouxa. Depois fiquei sabendo que é juiz aposentado. Bicho maroto. Manso que nem pardal de igreja. E molestador de criança ainda por cima! Na mesma hora, saí na caça do infeliz. Deixei a Julinha por ali mesmo, chorando, pedindo desculpa, e acelerei lá pra Vendinha. Do lado da mansão do cara tem uma subidinha de pedra e, no final, uma casinha onde funciona o centro. Já cheguei distribuindo bicuda nas oferenda de pipoca, maria-mole, lágrima-de-nossa-senhora e o que topasse pela frente! “Cadê o Calça-Frouxa?!” O cara tava lá, atrás duma mesinha. Joguei a mesa pro alto e meti-lhe um coice nos peito, ele prucutu, chão! Ficava só com a mão nos olhos, fingindo, apalpando que nem cego. “Vochê voltarr outrro dia, porr feivorrr. Zenhorrr Zenderlei non estarr aqui, eu ser outrraa entidaaddi.” “Pois eu quero falar com o dono do corpo, faz favor! Chama esse filho-da-puta de volta, senão quem apanha é tu mesmo, demõizim de araque! Tem escapatória não!” “Non, non és possible...” Aquele sotaquezinho fajuto é que acabou de me tirar do sério! Enchi o cara de bicuda! “Vai tomá no cu, animal! Desenruste! Que porra é essa de ficar usando o nome de deus pra cagüetar maluco!” E pum! pum! pum! “Se deus te dá procuração pra chamar os otro de ladrão, é porque ele também é otro filho-da-puta!” E o cara agarrado naquela palhaçada de pegar isprito e eu comendo ele na porrada! “Cadê o alvará desse pulgueiro, viado! Isso aqui não passa de um bordel disfarçado, e muito dos fuleiro, tá ligado!.. Eu sou ladrão né?! E você?.. quer saber o qu’eu penso dum verme que nem tu, ô saco-de-merda?! Bicha-louca! Piolhento!” Ele levantou, escorado na parede. E eu ali, “Agora manda os teus orixá segurar a minha mão, manda!” E dá-lhe tabefe pelo escórnio afora! Ele ficou lá, todo encolhido, co’a mão na cara, “non, non, non”, e eu louvando... louvando e me segurando pra não trucidar o miserável!..

_ E aí...

_ E aí uns pessoalzim que tava por ali já tinha chamado os homi... Chegou um meganha e me travou por trás, encostou na orelha e tocou, “Vaza, maluco, vaza! Já chega!” O cara me deixou vazar, na boa, porque esse Calça-Frouxa já tinha fama de molestador de criança ali na área...

O outro tem um acesso de bom humor:
_ Senti firmeza, hem meu fera! Bruce Lee invade a curimba!! Tocando o terror! Arrepiando geral... É isso aí... Esses puto é só na porrada mesmo. Agora relaxa... Vamo tratar de baixar a bola... a tua cerveja já tá esquentando. Dentre mortos e feridos, salvaram-se todos. Tá safo!

O boca-boa supira:
_ Pô cara... se não é você sempre aí do meu lado, me dando uma palavra de sabedoria... sei lá! Acho qu’eu pirava!




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