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Contos-->DELÍRIOS DE UMA TARDE -- 18/08/2000 - 19:13 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Infelizmente, fui rejeitada pelo computador, e minha pena foi a deportação para o espaço sideral de um universo que desconheço. Sim, me derramei, me exorbitei na ventarola, e de uma hora para outra eu era um papel voando, um arquivo descarregando-se como a fugir do vírus que se alastrava. Perdi o que eu vinha dizendo. E, num mistério, eis que meu discurso virou um astronauta de cordão umbilical partido. Só deu tempo de salvar a alma.
Nesse vermelho, vão-se os dias esfaqueados na lua cheia. Não tinha sido essa minha intenção. Mas tinha sido essa a arma branca que alguém plantou nas minhas mãos aquela hora. Aleluias e angústias, se eu moro tão longe que o vento, quando vem me visitar, pára no fim da última curva para refletir se dobra a esquina.
Lá vai todo o mundo marchando suas vidas pelo planeta água, onde, em se plantando evidências, tudo floresce e dá. No meu planeta de amônia, no meu planeta descolorizado, no meu planeta blonde, no meu planeta oxigenado, o que há é só poeira cósmica.
O uísque inchou-me o coração de uma alegria tão bonita, generosa esponja. Mordi os lábios de uma crueldade feliz e anônima.
Chegará o dia em que seremos tão íntimos a ponto de arriscarmos a sair de mãos dadas, sem que ninguém duvide da autenticidade do nosso selo. Dispensaremos as correntes mundanas. Seremos religião de nossas vidas, obedientes só à lei do grito. Tudo será fruto de uma conquista, nada virá enlatado. No ímpeto resolveremos as contendas. Sem costuras, sem nervuras, sem entremeios, sem remendos – e pensar que há quem se aperfeiçoe numa colcha de retalhos inteira!
Larguemos das jujubas mastigadas e grudadas nas pontes dentárias. Isso faz mal. Isso não se faz. Chiclete é ruminação do sofrimento, e não é por isso que estou aqui. Refresquemos as idéias com uma bala de menta, que depois do crime virá o sopro gélido de algum consolo.
Bafo diz muita coisa: um estômago regurgitando até a boca. Para me amar de verdade tem que aceitar meus arrotos. Não me é lícito disfarçar sinais vitais com chalaças para esconder o que me existe de mais íntimo. Desodorantes, pastas de dentes, sabonetes, cremes, onde minha alma enquanto eu vivia? Não trabalho para o Ibope e disso me orgulho. Também não sou patriota, meu ufanismo tem marca registrada e desde agora proibidas estão as reproduções, mesmo que parciais, de tudo o que grito ao megafone – megafone ainda existe? Meu orgulho é só essa inhaca, e nem lhe peço que tenha essa ou aquela impressão de mim. A minha própria eu já tenho, na ponta tingida de cada dedo.
Tudo o que se comprime no coletivo é ditatorial. Então vamos construir nossas ilhas, vamos correr para debaixo do coqueiro aos primeiros ventos de outubro. Combinados assim, vamos. Coqueiro, coqueiro, não conheço, nunca vi um por aqui – será que isso existe? Ah, mas servem as palmeiras, plantadas falsas nos asfaltos cadafalsos de pernas que fogem de rodas. Agora não querem atochar nós outros para dentro dos túneis do Eixo? Se bem que dizem que namorar no subterrâneo é bom porque dá eco. Enganado quem achou que jogando o povo para debaixo dos monumentos estaria resolvendo a paisagem. É nos esgotos que o homem fortalece. Para conhecer uma pessoa, comece pelo seu lixo.
Com uma azeitona na testa, o presunto dorme enfim seu sossego no IML - e me bateu agora a sede seca de um sorvete de groselha (isso existe?). Grávida é solução muito fácil. Tomemos cuidado ao decorar respostas. Grávida é aquela que está prenhe. Desejos não tem senão o da vida. Esses desejos pequenos de guloseimas, quem tem não é ela, mesmo que lute por dizer: “quem quer sou eu sim”. Não, não é ela. Quem deseja couve-de-bruxelas num dia imprevisto estará grávido? Todo o mundo, no fundo e por dentro, nutre estranhos desejos. Estará o mundo grávido?
Corajoso é o que entra num shopping e tem a cara de pau de sentar-se à vontade para assistir a um filme de aventura. Isso, sim, enternece. A sala escura do cinema recria moços bem-intencionados de olhos perplexos. Pele de porcelana, olhos de vidro soprado, o que são? Então, ser corajoso é saber ter cara-de-pau.
E antes que eu me esqueça, obrigada pelo beijo que não veio. Continue na folia, oba-oba! Grifes e cosméticos, grite isso na minha cara, se tem coragem – ou cara-de-pau, que é tudo a mesma coisa. Eu atiro um perdigoto na sua testa e garanto que acerto, sutilmente, aquela exata pinta onde farei minha mira. Sou boa de mira, mas péssima de tampões. Não estou aqui para tapar buraco de ninguém. Sei emergir desse fosso como se não me tivesse acontecido nada. Além do mais, toca uma música agora que é a sua cara, uma música cuja letra jamais decorarei, porque seria uma decifração, e isso é golpe baixo. Fico com a música sem letra mesmo, morta de vontade de continuar firme no meu propósito de nunca entender nada. Esse é meu modo de dar um basta.
Não gosto de colecionar. Sinto-me obrigada. Gosto é de falta e de ausências bem-resolvidas. Que bom se eu tivesse pelo menos um botão de camisa para lembrança. Mas não me leve a sério. Quero só a vontade de ter o botão, e só. Assim, me deliciarei enquanto durar o ressaibo.
Mas quem diria que estamos, eu nessa ponta e você naquela curva? Mas estamos, e não vamos compor desenho nenhum, nem uma mera abstração humana somos, porque estamos mais vivos do que todo o resto, porque somos o que somos.
Meu dedo mindinho está torcido com você. Não salta mais entre as teclas que o obrigam, me faz lembrar o tempo todo que foi você culpado de alguma coisa que não sei o que seja. Não que ele me lembre você, eu apenas sinto uma dor chata e não arrisco digitar nada com ele, tanto que o enfaixei grosseiramente e sem perícia, e ele está que só uma múmia, de dar medo.
Eu descalça, sinto falta dos meus dedos. Calçada, eles me gritam de dor e desconforto. Falando nisso, cadê meus sapatos? Preciso comprar uma sandalinha nova de correias entrelaçadas, uma engraçadinha, vermelha, que vi na revista. Resolverá minha angústia, que não é essa angústia de todo o mundo, é uma minha que eu chamo assim porque não tem outro nome, no entanto nós duas não estamos de mal, somos pacíficas e civilizadas, ela me alfinetando, eu a expondo publicamente, em castigo, e é assim que chegaremos a nossas bodas de ouro.
Dor de cabelo é de uma sabedoria tão sensível! Digo com vaidade que “eu sou das que têm dor de cabelo”.
Aqui está o anel de coco no dedo obsceno de minha mão esquerda. Combina comigo, desse jeito que estou agora - de pernas jeans cruzadas sobre a arca enfeitada de pátina. Mas do que é que eu queria falar mesmo? E do que eu não falei ainda?
Hora de respeitar o xixi que me aperta.
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