BARLAVENTO
Noite de breu sem luar
Lá vai saveiro indo pelo mar
Levando Bento e Chicão
A brisa ao lado leva uma oração
Se barlavento chegar
Não vai ter peixe pra vender
Filho sem pai pra criar
e mulher viúva para sofrer
Salve mãe Iemanjá... Janaina
Deixa o Chico voltar
Meu coração é teu barlavento,
mas traga o Bento do mar.
Quando Maria Rosa se casou com Francisco, ela era ainda menina.
Como a sua mãe, a sua avó e toda mulher nascida e criada naquela vila de pescadores ela foi criança por muito pouco tempo. Logo deixou de brincar com a sua boneca de trapo - único brinquedo que teve - para assumir os deveres de uma filha de pescador.
Com a idade de doze anos já tinha as responsabilidades de uma pessoa adulta e além de tomar conta das outras crianças – nessa época ela era a filha mais velha e já tinha cinco irmãos mais pequenos do que ela – ajudava a mãe, todo dia, na escolha do pescado que o pai – mestre José Bento - trazia e na limpeza do barraco miserável em que viviam.
Francisco também era filho de pescador. Ainda era pequeno quando um dia seu pai não voltou do mar. Sua mãe morreu, logo depois, de tristeza. Ele foi criado pelo pai de Maria Rosa e se fez pescador ainda menino.
Maria Rosa viu quando ele saiu pro mar pela primeira vez e sentiu nessa hora um medo que não compreendeu. Não sabia, mas era o mesmo medo que fazia com que sua mãe fosse esperar pelo saveiro de seu pai todo dia quando estava amanhecendo.
Toda noite, fosse ela clara com uma lua enorme e luminosa no céu, refletindo seus raios no espelho que a água formava ou muito negra e sem estrelas alguma no firmamento, Francisco e Jose Bento iam mar adentro, num velho barco em busca de pescado, e só retornavam quando o dia clareava. Tinha dia que o barco vinha pesado e cheio de peixes. Os dois sorridentes o traziam até a areia e felizes beijavam suas mulheres.
Acontecia também - e isso muitas vezes - do barco voltar leve, trazendo nele alguns poucos peixes pequenos. Os dois pescadores vinham muito cansados de jogar a rede a noite inteira e puxa-la sempre vazia, trazendo em seus rostos uma expressão de desânimo. Suas mulheres sabiam que aquele dia não ia ter comida na mesa e suas crianças iam chorar porque tinham fome.
A mãe de Maria Rosa era uma velha, cansada e abatida pelo sofrimento causado pela vida que levava como mulher de um pobre pescador.
A filha sofria por ver a dor de sua mãe, pela miséria em que viviam e pela fome que via os seus filhos passarem. Era muita dor para uma mulher tão nova suportar, mas ela era valente e com seu amor e sua coragem amparavam a todos e lhes dava força para viverem.
Numa noite caiu uma forte tempestade. Maria Rosa e sua mãe passaram toda ela pedindo a Iemanjá pela volta dos seus homens.
Quando o dia amanheceu mãe e filha foram até a praia esperar por eles, só que dessa vez o barco não voltou.
Lágrimas grossas rolaram pelas faces de Maria Rosa e de sua mãe.
Elas rezaram a noite inteira pra mãe d’água, mas a santa não teve dó delas e ficou com os seus homens para ela.
(BARLAVENTO: 1-Direção de onde sopra o vento. 2-Bordo da embarcação virada para onde o vento sopra.)
CARLOS CUNHA
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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