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Contos-->Fim do outono? Nada mais apropriado... -- 12/03/2003 - 10:02 (Elpídio de Toledo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
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Ouço a primeira faixa: "Kommt, ihr Töchter, helft mir klagen","Vinde, oh filhas, ajudai-me a prantear." (Do divino Bach, em "A Paixão, segundo Mateus"). Enquanto isso, deixo meu Photoshop 7 de lado, e passo a lembrar-me da conversa que tive com um taxista, antes de chegar até aqui.
__Bom dia.
__Bom dia.
__Por fineza, pela Muzambinho, pra gente sair lá no Santo Antônio.
__Pois não!
__Será que já é tempo de frio?
__Éhhhhhhh, houve uma queda brusca de temperatura.... A primavera chegou fria...
__Mas, então, já estamos na primavera? Ela começa é em 23... de fevereiro?
Ao som de Bach confiro, poucos instantes depois: do Aurélio lê-se que
"Primavera [Do lat. primo vere, "no começo do verão".]S. f. 1. Estação do ano que sucede ao inverno e antecede o verão. [No hemisfério sul, principia quando o Sol alcança o equinócio de setembro (dia 22) e termina quando ele atinge o solstício de dezembro (dia 20); e, no hemisfério norte, principia quando o Sol alcança o equinócio de março (dia 21) e termina quando ele atinge o solstício de junho (dia 20).]
Verão
[Do lat. vulg. veranum (< lat. ver, veris, "primavera"), i. e., veranum tempus, "tempo primaveril".] S. m. 1.Estação do ano que sucede à primavera e antecede o outono; estio. [No hemisfério sul principia quando o Sol alcança o solstício de dezembro (dia 21) e termina quando ele atinge o equinócio de março (dia 20); no hemisfério norte principia quando o Sol alcança o solstício de junho (dia 21) e finda quando ele atinge o equinócio de setembro (dia 21).]"
Hoje é dia 11 de março, logo, fim de verão; o taxista Paulo Marques patinou sem gelo, quando deveria surfar em rio, ou lagoa, pois mar não chegou por estas bandas ainda. Amplio:
"Outono
[Do lat. autumnu.]S. m. 1. Astr. Estação do ano que sucede ao verão e antecede o inverno. No hemisfério sul principia quando o Sol alcança o equinócio de março (dia 21) e termina quando ele atinge o solstício de junho (dia 20); no hemisfério norte principia quando o Sol alcança o equinócio de setembro (dia 22) e finda quando ele atinge o solstício de dezembro (dia 20). [Sin., poét.: o cair das flores, o cair das folhas.]"
Conforto-me: estou ainda no verão e, em breve, estarei no outono, se Deus assim me permitir. Mas a conversa continuou em meio às orientações que eu lhe dava sobre o meu trajeto: por aqui... dobre ali... agora, siga as plaquinhas...não pergunte aos universitários... . Disse-lhe:
__Neste vap-ti-vupt que a gente vai levando a vida, a gente não tem o hábito de se situar em relação às estações do ano, né? Acho importante isso, né, a gente poder se guiar pela Natureza.
__Éhhhhh, a gente perde as referências. As estações do ano, a Lua... A gente só sabe que é lua-cheia porque a gente vê aquela bola luminosa... Antigamente, todo mundo se guiava pela Natureza... Até pra cortar o cabelo...
__É verdade. Para plantar também. Estou me lembrando de "Não muito além do jardim", em que o jardineiro dispara a "podar no inverno para colher na primavera". Nessa hora lembrei-me do maior peixe que pesquei, "Madalena, o surupeuta", numa noite sem lua, a Nova... Mas não deu pra lhe falar sobre isso, pois ele continuou:
__Um amigo meu me disse que o mundo está disperso. As pessoas lêem, mas não entendem, nem se entendem... Por exemplo, ele me chamou a atenção para um ditado popular. O povo vai repetindo sem saber. A maioria diz: "Quem não tem cão caça com gato." Mas ele me despertou. Ele me disse que o certo é a gente dizer: "Quem não tem cão caça como o gato." Pois, gato é que caça sozinho. A gente nem consegue levar gato pra caçada. Alguém leu, entendeu pela metade e saiu repetindo, e a moda pegou. Todo o mundo quer ser superior, é uma soberba danada...ninguém dá valor pro que lê. Lê, mas não cumpre...porque não entendeu direito.
__Você está até me lembrando de um provérbio religioso, com o qual estou incucado esta semana: "Do pó vieste ao pó retornarás."
__Como é que é?
__ "Do pó vieste ao pó retornarás." Se lido ao pé da letra, fica parecendo que a gente é mero pó. Fica parecendo que tudo que a gente já fez não vale nada. Por mais que a gente construa: família, livro, amizade... Mas, se a gente interpretar o provérbio do meu modo, a gente pega outro ar. Eu penso que vim do pó de Graça, que recebi de graça, da Graça Plena de Maria, e o que me compete é retornar ao pó que me resta em vida, e cheirá-lo como rapé. Uma pitada aqui, outra acolá, pra me lembrar de que estou vivo e ainda posso construir muita coisa de Bem. Ao pé da letra, aquele provérbio pra mim soa como uma falsa humildade.
__Éhhhhhhhh, mas depende do momento em que ele é aplicado. Tem muita gente soberba, que acha que é o rei do mundo e, nessas horas, vale a pena lembrar esse provérbio, pro sujeito cair na real.
Agora, entra a segunda faixa de Bach, "Bub und Reu", "O rapaz e o arrependimento". E continuo a relembrar-me da conversa. Ele disse:
__Tenho um outro amigo, um senhor mais velho que eu, que me despertou para uma coisa. Ele me disse que quando Jesus disse: "Amai ao próximo..."
__como a ti mesmo." Emendei.
__como a ti mesmo"...
__Ele é muito estudado... Ele disse que tudo nesse mundo é questão de hierarquia: no trabalho, na orquestra, nas forças armadas, nas religiões, na família... E que o mandamento, quando diz "próximo", não se refere a quem está do lado mais próximo da gente e, sim, aos seres que não raciocinam, aos irracionais, às plantas, os animais, os rios, os lagos... Porque, se a gente não cuidar deles como a nós mesmos, a vida acaba neste planeta...
__Hum, faz sentido. Você ampliou minha compreensão sobre esse mandamento. Quer dizer que ele se refere, também, aos demais seres vivos...
__É, aos irracionais, porque os racionais somos nós. Eles é que são os desprotegidos...
__Hum... vou refletir sobre isso. É isso aí, a gente ajunta essas coisas e elas nos servem como referências... Pensei em dizer-lhe que "próximo" se refere, também, às pessoas, que o mais próximo de mim sou eu mesmo, e que, com a Internet, a proximidade, hoje em dia... Mas, deixei pra lá. A corrida tinha chegado ao ponto.
__Isso aí. São R$6,99...
__Sete. Tenho duas de um. Me dá cinco de troco.
__Não tenho a de cinco. Comecei agora.
__Um abraço. Como é seu nome?
__ Paulo Marques.
__O meu é Elpídio, amigo do Tim. Você já o conhece?
__Não. Ele é taxista?
__Não, deixa pra lá. Até outra hora.
__Até!
Quando terminei de registrar esta conversa, disparei a terceira faixa de Bach, "Ich will dir mein Herze schenken", "Quero presentear-te com meu coração." Leio do folheto do CD, cujo autor é Fritz de Haen, que Friedrich Nietzche assim avaliou a composição, em 1870: "Esta semana eu ouvi a Paixão de São Mateus do divino Bach três vezes, cada uma delas com o mesmo sentimento de um enorme contentamento. Quem quer que tenha esquecido a Cristandade, vai ouvi-la aqui realmente como um Evangelho." Ainda não tive esse "enorme contentamento", embora tenha a ouvido quase que diariamente. Mas, quando a ouço, algumas faixas me dão um encorajamento e um entusiasmo muito forte. Parece que essa obra ajuda a gente a combater o estresse do dia-a-dia.
Mas o interessante do folheto de Fritz de Haen é ficar sabendo que o divino Johann Sebastian Bach ajuntou muitas referências de obras anteriores a ele, sobre a história da crucificação de Cristo que já vinha sendo contada desde a Idade Média, cantadas desde o século XV. O coro duplo da "Paixão, segundo Mateus" resultou de uma técnica que ganhou força durante o florescimento de Veneza, depois que já havia sido documentada na corte de Ferrara. Heinrich Schutz introduziu a tal técnica na Alemanha, depois de nutrir-se dela em Veneza, no século XVII. Bach teria se valido, também, de recitativos e árias, além dos típicos corais luteranos e de peças simples que proporcionam à comunidade uma forma de participar dos serviços religiosos, ficando fácil de serem cantadas por ela. A faixa "Haupt voll Blut und Wunden", "A cabeça ferida e cheia da sangue", teria tido como referência uma composição do renascentista Hans Leo Hassler. O texto básico teria sido fornecido pelo escritor "Picander", pseudônimo de Christian Friedrich Henrich, 1700-1764. E Haen diz que "Para os compositores contemporâneos, era quase normal citar obras escritas anteriormente por eles, ou por colegas, e inúmeros exemplos desta atuação podem ser encontrados através da obra deste grande músico... A extensão de quanto ele foi bem sucedido com isso pode ser deduzida pela popularidade que a obra conseguiu desde o princípio do século XIX."
De tudo isso, ao lembrar-me do Paulo Marques, concluo que quem sabe ler e põe em prática o que lê, sem dúvida, pode até se tornar uma pessoa divina, sem ser vista apenas com a pecha de "homem de bar"...Hora de lembrar-me do pó... do caçar com cão, do trabalhar em equipe constelar ...
Agora, ponho em cena a faixa cinco, "So ist mein Jesus nun genfangen", "Então, meu Jesus agora está preso". Paradoxalmente, quando acabo de criar um texto, penso que ele é um fruto do ventre da minha Graça, desejoso de ser lido como bendito, e tem Jesus como referência. É como se renascesse Jesus em mim, leve, livre e solto.



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