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Contos-->Insônia. -- 17/03/2003 - 23:46 (Fleide Wilian R. Alves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A tarefa era simples: espancar o novato morador da rua de cima quando ele fosse ao mercado.
A rixa havia começado quando o garoto esnobe, de propósito patinou lama em mim com sua belíssima bicicleta azul, sorrindo, verdadeiramente de propósito!
Pela primeira vez eu havia convocado uma reunião com a turma. Contei a estória ao pessoal e logo todos tinham pelo menos uma queixa contra o novato gordo e sardento morador da rua de cima. Foi fácil escolher como faríamos a vingança, tínhamos as mentes muito parecidas. Decidimos estudar seu comportamento até encontrar o melhor lugar para o abordarmos e então proceder a surra. Teríamos de agir rápido, sabíamos que o sardento gordo já conjeturava com a turma da rua 7 e eles eram mais numerosos e mais velhos que nós, por isso tínhamos um medo não declarado deles. Nos reservaríamos a apenas algumas ameaças, empurrões e pontapés. Mas a aliança entre o gordo e a turma da rua 7 ainda não estava selada, ele ainda era um simples garoto sem turma.
Como a minha casa fazia fundo com a casa do sardento, fiquei incumbido de observá-lo para descobrir como poderíamos torturá-lo melhor. No dia seguinte, logo cedo, iniciei minha tarefa de espião. Subi estrategicamente na goiabeira que ficava próxima ao muro que divisava nossas casas e montei guarda. Entrincheirado pelos galhos esparsos da goiabeira, observei a movimentação no terreno inimigo. Um cachorro, um gato, um papagaio, uma mãe, nada demais. Era o dia-a-dia de uma simples família de periferia, até que sem avisar ela apareceu. Varrendo a varanda, cantarolando uma música da época. Linda, cabelos castanhos cacheados, olhos negros, pele clara com sardas lindas no rosto, ombros e braços. Ruiva, enfim. Uma legítima ruivinha que além de bonita, como eu, falava sozinha. Gesticulava, pulava, dançava, ria, fazia poses. Apaixonei-me instantaneamente naquele momento, eu acabara de descobrir o amor.
Instantes depois, interrompendo em parte meus devaneios, o irmão da garota (meu desafeto) saiu da cozinha para a varanda. A menina falou algo com ele e os dois riram, se abraçaram e entraram na casa. Voltaram logo, rindo, brincando muito com o cachorro. Brincaram muito, os três, minha amada, meu inimigo e o cão. Isso durou até a minha mãe me chamar, minutos depois.
Naquele dia só meu corpo foi à escola, minha alma e coração estavam com a ruivinha irmã do garoto gordo que dias antes havia me sujado de lama. Só então eu me lembrara do incidente. Eu amava a garota, a garota amava o irmão, logo eu deveria amar seu irmão também. Sem problema, o amor faz coisas... Até que tive um estalo! Como eu diria à turma que não queria mais no novato? Eles nunca entenderiam.
Falei pouco naquele dia. Quando me perguntaram sobre o garoto gordo desconversei. Disse que não havia conseguido observá-lo porque minha mãe havia me pedido para limpar as folhas secas do quintal. Menti. Por amor, pela primeira vez na vida.
"Não faz mal, a gente pega ele amanhã cedo quando ele for no mercado", disse o líder da turma. O chão me fugiu dos pés. Combinamos como seria a surra e nos despedimos. Jantei pouco naquela noite, estava pensativo, calado. Afinal, eu não poderia bater no irmão adorado do amor de minha vida. E por outro lado, também não poderia deixar de me submeter às resoluções da turma, de meus amigos de tantas alegrias e horas difíceis passadas juntas. Seria uma enorme traição.
Sem avisar, um pensamento me visitou. Fazia tempo que eu não ia à casa de minha avó e como o dia seguinte era um sábado, decidi, ainda naquela noite fazer-lhe uma surpresa.
Só voltei pra casa na segunda-feira pouco antes do horário de ir para a escola. No colégio meus amigos me cobraram uma explicação para a minha falta no episódio da surra do menino gordo. Expliquei sem me empenhar que havia precisado fazer companhia à minha avó no fim de semana por motivo de saúde. Fui absolvido.
A turma não havia conseguido bater no garoto, ele não foi ao mercado como no plano.
À partir desse acontecimento, fugas tornaram-se constantes em minha vida.
Quanto à garota ruiva, a vi umas poucas vezes depois. Sua família mudou-se dias após o fato aqui narrado. Levaram com eles um pouco de mim.
Talvez esse episódio explique esta e outras inúmeras noites de insônia que me freqüentam, sobretudo em noites calmas de verão.
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