A filha do pastor
Maria Lúcia foi criada dentro de preceitos religiosos e de costumes familiares bastantes rígidos.
Seu pai era pastor de uma igreja e usava as palavras da Bíblia com bastante distorção, em sua interpretação. Pregava a sua crença em um Deus inflexível, tirano e incapaz de perdoar as pessoas que não agissem dentro das leis que sua religião apresentava.
Era uma religião muito proibitiva e as normas que ela colocava, para os seus seguidores, deixava em segundo plano as coisas espirituais. Nela as coisas da alma tinham menos valor que a maneira de se vestir, de se comportar segundo as leis daquela igreja e do proceder inatacável, dentro de suas ordens, pelos seus seguidores.
Hábitos como o alcool e o fumo não eram nela vistos apenas como coisas prejudiciais ao ser humano e colocado como problemas a serem combatidos através da educação. Eram coisas malígnas que condenavam a alma de quem às usasse, independente da bondade de que ele possuísse.
O gosto pela vida também era proibido por ela. Seus seguidores não podiam ir a um cinema, a bailes, a festas ou participar de várias outras atividades sociais, porque eram tidas como coisas contrárias a vontade de Deus. Viver a vida com alegria na alma e aproveita-la ao máximo era tido como pecado, como coisa que agradava ao demônio e condenava as pessoas a queimarem no inferno.
Até o tipo de leitura permitida para as pessoas que freqüentavam aquela igreja era escolhida e aprovada por ela. Uma obra literária de grande valor era tida como profana quando ela não aprovasse os dogmas daquela religião.
A filha do pastor era uma menina linda, mas bastante infeliz. Filha única, ela perdeu a mãe quando ainda era pequenininha e seu pai a criou com amor e muito zelo, mas lhe deu uma vida muito reprimida.
Ela tinha consciência da sua beleza e não gostava de esconde-la dentro de suas roupas austeras que lhe causavam desconforto além de torna-la diferente e motivo de chacota para os outros jovens. Odiva ser tachada como crente, apesar da sua fé em Deus.
Seus cabelos eram lindos. Uma cabeleira negra e ondulada que descia por suas costas e ia até abaixo da cintura, só que ela os odiava.
Sabia o quanto eram belos e como as outras meninas o invejavam, mas o fato de tê-los porque a religião que seu pai pregava não permitia que as mulheres cortassem os cabelos fazia com que eles perdessem a sua beleza e se transformassem em uma marca da sua repreensão.
Ela passou os anos da sua infância, e da sua adolescência, numa verdadeira reclusão. Aonde ia era sempre acompanhada pelo pai, com excessão da escola, mas nela se sentia deslocada e descriminada pelos outros alunos. Tinha aprendido a acatar tudo o que ele lhe dissesse e apesar da sua mágoa o respeitava e fazia tudo na vida conforme os desejos dele.
Todo mês ele ia a capital participar de um encontro de pastores, de uma assembléia de igrejas ou algo assim. Ela ficava então sozinha, mas como não tinha amigos e mesmo que quisesse dar um passeio não saberia aonde ir, acabava ficando o tempo todo dentro de casa quando seu pai fazia essas viagens.
Quando terminou o colégio e passou no vestibular, para fazer um curso superior, foi estudar em outra cidade que era o lugar mais próximo que tinha a faculdade que ela desejava cursar.
Logo no primeiro dia de aula, entre rapazes e moças cheios de vida, ela sentiu-se deslocada e diferente daquela massa de jovens que foram criados com toda a liberdade. Todos comunicativos, brincando entre si, sorrindo um para o outro e se tratando como se fossem velhos amigos, apesar de serem pessoas que nunca tinham se visto até entrarem naquela sala de aula.
Entre as moças, que trajavam calças justas que mostravam a beleza das linhas dos seus corpos, blusas leves por causa do calor que fazia e enfeitadas com brincos, anéis, pulseiras e outros adornos que ela sempre desejou usar, mas que seu pai nunca deixara, ela foi a única que passou a aula toda sentada no fundo da sala, encolhida dentro de sua saia escura e grossa que ia até abaixo do joelho e sufocada com o calor pela camisa branca de mangas compridas que usava fechada, por botões, até o pescoço.
Quando a aula terminou e todos os alunos sairam dela brincando e fazendo planos entre eles, ela passou de cabeça baixa no meio deles e foi para a pensão em que estava alojada. Lá chegando trancou-se em seu quarto e aproveitou a ausência da pessoa que ia dividi-lo com ela, que ela ainda não conhecia, para chorar durante muito tempo.
Assim que anoiteceu jantou e foi sentar na sala da pensão para ler a Bíblia. Ainda não conhecia a pessoa com a qual ia dividir o quarto porque ela não tinha aparecido até essa hora.
Ficou ali durante muito tempo, envolvida na leitura do livro sagrado, em busca de algo que aliviasse o vazio da sua vida. Estava pensando em subir para dormir quando a dona da pensão entrou acompanhada de uma linda moça ruiva, que tinha mais ou menos a sua idade, e falou para ela:
- Maria Lúcia... Esta aqui é a Cristiane e é ela que vai dividir o quarto com você.
- Olá, a moça falou. Mas, você estava na aula do primeiro ano de medicina esta manhã! Ou não era voce?
- Estava sim, ela respondeu cheia de acanhamento como lhe era natural.
- Que legal. Eu também vou fazer esse curso e se a gente vai morar juntas uma vai poder ajudar a outra nos estudos.
Trocaram mais algumas palavras, que expresavam o prazer que tinham de se conhecerem, e Cristiane foi para o quarto depois de dizer que estava cansada e de que precisava de um banho.
Maria Lúcia ficou ali mais algum tempo pensando naquela moça que havia conhecido e encantada com ela. Era a primeira vez que conversava com alguém, que não era da sua religião, sem se sentir constrangida.
Quando subiu para o quarto a Cristiane já havia tomado o seu banho e estava, só de calcinha e com uma camisa sobre o corpo, sentada na beira da cama passando creme nas pernas.
Ela falou pra Maria Lúcia assim que ela entrou:
- Oi querida. Senta aqui na minha cama e vamos conversar um pouco pra gente se conhecer. Hoje lá na aula eu vi que você ficou o tempo toda acanhada em um canto. Você é bastante tímida, não é?
- É, acho que sou.
- Tudo bem, mas que vamos ser amigas nada de timidez entre nós. Conta pra mim o que você fez hoje depois da aula?
- Vim pra pensão arrumar minhas coisas e depois fiquei por aqui. Não tinha outra coisa pra fazer.
- Eu já fui a um monte de lugares que queria conhecer, disse a Cristiane que adorava falar das coisas alegres que aconteciam com ela. O pessoal que conheci lá na classe é incríivel e me levaram a lugares maravilhosos. Você precisa conhece-los. Tenho certeza de que vai adora-los. Mas me fala de você, de onde você é. Me conta as coisas que você gosta de fazer?
Maria Lúcia ficou vermelha e sem saber que resposta dar. Sentiu uma dor amarga em seu coração e não pode segurar duas lágrimas que rolaram por sua face.
Cristiane olhou para ela, não compreendendo o porque da sua tristeza, e lhe falou, enquanto passava os braços em torno dela e a abraçava com ternura:
- O que aconteceu Maria Lúcia, Porque você está chorando? Eu falei algo que te magoasse?
Ela nunca tinha sido tratada com tanto carinho por uma pessoa estranha e, sem saber como teve coragem, contou para Cristiane a sua vida e expos para ela o vazio que havia nela.
Cristiane a ouviu, deixou que ela chorasse e depois lhe falou carinhosamente e cheia de compreensão:
- Eu entendo o que você está sentindo e tenho certeza que se tivesse levado a sua vida estaria da mesma maneira. Agora enxugue essas lágrimas e ponha na sua cabeça que tudo isso é passado. Daqui pra frente sua vida pode mudar e isso só depende de você. Seu pai está longe e você pode fazer as coisas que achar certo sem se preocupar com ele. Pode mudar a sua vida e ser uma pessoa alegre. É a sua hora de viver com um pouco mais de liberdade e eu vou te ajudar a isso.
As duas ficaram até tarde conversando. Quando Maria Lucia foi se deitar ela estava encantada com a sua companheira de quarto, a primeira amiga que tinha em sua vida, e disposta a ser como ela.
No outro dia as duas acordaram bem cedo e enquanto se aprontavam pra ir a aula a Cristiane comentou e perguntou a Maria Lúcia, quando viu que ela colocava as mesmas roupas que usara no dia anterior:
- Ta um bocado quente hoje. Você não acha melhor usar algo mais leve para ir a aula?
- Todas as roupas que eu tenho são assim. Meu pai nunca deixou que eu usasse algo diferente, ela respondeu cheia de vergonha.
- Esse seu pai! Vem cá, a Cristiane disse enquanto abria uma de suas malas. A gente tem o mesmo tamanho e acho que tenho alguma coisa que vai servir pra você. Minha mãe comprou tanta roupa antes de eu vir pra cá que eu não vou usar nem a metade. Deixa eu te dar alguma até a gente comprar o que você precisa.
Naquele dia a Maria Lúcia foi à aula de calça jeans, com uma camiseta larga sobre o corpo e usando uma sandália dourada que Cristiane lhe tinha emprestado. Sentiu-se uma nova pessoa dentro dessas roupas e apesar do acanhamento, que lhe era natural, conseguiu se sentir feliz durante ela.
A Cristiane a levou a lojas, ajudou ela a escolher roupas lindas, adornos que realçavam sua beleza e a transformou numa pessoa diferente. Não só na sua maneira de vestir, mas na de ver a vida, pois passou pra ela toda a alegria que tinha de viver e a ensinou a ser feliz.
Até o nome pelo qual era chamada sofreu uma mudança. Ninguém a conhecia como Maria Lúcia ou imaginavam que ela fosse a filha de um pastor de uma igreja. Todos conheciam a linda universitária simplesmente como Marilú.
Todas as tardes depois da aula elas iam conhecer lugares que não conheciam e a noite sempre iam a um cinema, teatro ou a algum show. Não deixavam de ir a todas as festas, bailes jantares ou qualquer outro tipo de divertimento.
Maria Lúcia se sentia feliz e realizada, inclusive no amor.
Vestindo-se e se comportando da maneira que aprendeu com Cristiane ela passou a ser uma mulher disputada pelos homens.
Na faculdade todos os rapazes queriam a sua companhia nos intervalos das aulas, na hora do recreio e viviam fazendo convites para ela sair com eles.
Seu primeiro beijo foi numa festa e deixou-a maravilhada. Quando comentou com Cristiane sobre ele, dizendo para ela que estava apaixonada pelo rapaz que a tinha beijado, sua amiga soltou uma sonora gargalhada e lhe falou:
- Minha doce, e inocente, Marilú. O primeiro beijo é sempre o mais doce, mas depois a gente se vicia no gosto de língua e qualquer boca molhada passa a ser deliciosa.
Ela achou delicioso o dia em que seu corpo foi tocado, pela primeira vez, por um homem.
Tinha ido ao cinema com um dos rapazes da sua classe. Depois de trocarem vários beijos ele encostou sua boca molhada no pescoço dela, começou a chupa-lo mansamente e a passar a língua nele. Ela nem percebeu que abriu as pernas nessa hora para que ele erguesse a mini saia, que ela usava, colocasse as mão entre suas pernas e subisse com ela até sua calcinha. Quando ele colocou a mão dentro da calcinha dela e um dos seus dedos começou a penetra-la, carinhosamente e bem devagar, ela soltou um gemido prazeroso e sentiu que o meio de suas pernas estava todo molhado. Tinha tido o primeiro gozo da sua vida.
Estava fazendo quase um ano que Maria Lúcia tinha vindo para a capital estudar e que não via seu pai. Apesar de gostar muito dele e de sentir a sua falta, nunca tinha se sentido tão feliz na vida como nesse tempo.
Numa tarde a Cristiane a viu calada e pensativa. Perguntou então para ela:
- O que é que você tem menina? Esta triste ou preocupada com alguma coisa?
- São só algumas preocupações que estão me afligindo. É que daqui a duas semanas nós estaremos em férias e eu vou ter de usar aquelas roupas horríveis de novo. À vontade que eu tenho é de tocar fogo em todas elas.
- Deixa de ser radical Marilú. Se você as usar vai ser só por uns dias pra não contrariar o seu pai. Logo as aulas recomeçam e vai ter de volta toda a liberdade que conseguiu. Além do mais vamos deixar os problemas para a hora de resolve-los e nos arrumar que os rapazes - ela se referia aos dois alunos que estudavam na mesma classe que elas e com quem estavam "ficando" a algumas semanas - vão passar daqui apouco para nós irmos a uma boate quentíssima. Vamos deixar as preocupações pra depois e aproveitar a vida.
Quando os rapazes chegaram, para pega-las, ela estavam deslumbrantes. Como a boate que iam era um lugar de classe elas se produziram de acordo para irem a ela.
Trajadas com vestidos de noite elegantes, e adornadas com jóias belíssimas e bastante discretas, elas estavam elegantes e pode-se dizer, mulheres deliciosas.
A Cristiane tinha feito no cabelo da amiga uma trança bem fina, que cortava um dos lados da cabeleira volumosa, que ela tinha, e prendido ela com uma presilha de madrepérola.
Estavam elegantes, lindas, envolventes e assim foram com os rapazes para a boate.
Quando lá chegaram se entregaram ao clima de festa que nela imperava. Começaram a tomar alguns Martinez e a dançar.
Em meio daquela alegria toda Cristiane viu que sua amiga, de repente, ficou paralisada e muito branca. Olhou então para a direção que os olhos dela estavam olhando e viu um senhor sentado em uma das mesas com uma moça seminua e com os peitos de fora sentada em seu colo.
O paletó do homem estava no encosto da cadeira, em que ele estava sentado, sua gravata estava torta, os botões da sua camisa estavam abertos e a sua mão apertava os seios da moça que pegava no seu pênis, por cima da calça, na frente de todo mundo. Cristiane perguntou nessa hora a sua amiga:
- Fofinha, o que é que você tem? Você está passando mal?
- Me leva daqui Cristiane. Pelo amor de Deus me leva daqui, a Maria Lúcia respondeu quase em pranto e cheia de desespero.
- Vem, vem comigo, a Cristiane falou pegando ela pela mão e puxando-a até o banheiro da boate.
Quando entraram nele a Maria Lúcia caiu em um choro desesperado e sufocante. A amiga colocou a cabeça dela em seus ombros e deixou que ela chorasse até se acalmar. Quando conseguiu falar ela disse:
- Aquele homem que está embriagado com a moça nua no colo é o meu pai. Ele me criou prisioneira não deixando que eu vivesse a minha vida. Para ele tudo era pecado e agora eu o encontro aqui bebado e com uma puta em seu colo, e desatou a chorar novamente.
- Se acalme meu amor. A gente vive a vida inteira ao lado de uma pessoa e de repente descobre que não a conhece. Ele é só um ser humano e você tem que aceitar os seus defeitos.
- Mas ele é o pastor da sua igreja e me criou com medo de viver me dizendo que tudo na vida era pecado. Como pode estar aqui?
- Lá na pensão você se acalma e depois pensa sobre o problema, agora vamos pedir aos rapazes para nos levar embora, vamos.
Quinze dias depois as aulas terminaram naquele ano e Maria Lúcia foi para sua casa. Quando chegou lá o seu pai se assustou e ficou horrorizado com a aparência da filha. Sentindo-se revoltada, depois de ter visto o seu pai naquela boate, ela cortou os cabelos bem curtinhos, pintou-os de cor verde com uma mecha vermelha e estava usando um short de lycra, bem agarradinho, que colado nela mostrava com clareza as linhas que seu corpo tinha. Ele era tão agarrado que entrava no rasgo que ela tinha entre as pernas e definia o formato de sua enorme vagina. Sobre o corpo ela tinha uma camiseta de cor berrante, e bastante decotada, que mostrava boa parte dos seus seios que estava sem o sutiã que ela nunca deixava de usar. Pra completar o espanto de seu pai ele viu que ela estava toda adornada com brincos, anel e corrente além de ter feito uma tatuagem no ombro que mostrava uma linda borboleta colorida.
Não acreditando no que estava vendo ele falou:
- Minha filha o que é isso? Que roupas são essas? Como você tem coragem de usa-las? Você está com o corpo todo marcado com os símbolos do demonio.
- São as roupas que todas as meninas da minha idade usam. São leves confortáveis e bonitas. Eu me cansei de usar aquelas roupas horríveis que o pessoal da igreja usa.
- Mas minha filha essas roupas são indecentes. Elas mostram o seu corpo e convidam as pessoas a pecarem.
- Papai, por favor, deixa de hipocresia e de querer me fazer prisioneira dela. Há quinze dias atrás eu estava na boate em que o senhor tinha uma prostituta no colo e, completamente bebado, afagava os seios dela na frente de todo mundo. O senhor mente sobre Deus, sobre si mesmo e sobre a vida que leva e vem dizer pra mim que viver a vida é pecado. Eu assumi a minha, vou vive-la com alegria e não vou esconder isso de ninguém.
O pastor ficou olhando, de boca aberta, para a filha não acreditando no que ouvia, mas não tinha palavras pra rebater as verdades que ela tinha dito.
CARLOS CUNHA
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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