Depois de desviarem do Rio Beltas e das Cachoeiras Azuis, Helin e Sinaanrel rumaram para a Estrada Abandonada. Era um caminho deserto e medonho, pois toda a estrada era feita de ossos de viajantes mortos. Poucos homens ousavam tomar aquele caminho, a não ser cavaleiros corajosos que não temiam os poderes dos elfos do Escuro. Helin se perguntava porque Sinaanrel o conduzira por este caminho, mas não chegara em resposta alguma. Confiou no amigo e o seguiu, relutante.
A Estrada Abandonada já foi um caminho livre e calmo. Construída pelo Rei de Hothna, a Estrada era usada por muitos viajantes que cruzavam Dornath para chegar até o Povoado do Norte. Quando elfos dominados pelo Escuro invadiram a Estrada, exterminaram todos os viajantes e colocaram seus ossos no caminho, assustando aqueles que chegavam. Mataram o Rei de Hothna e amaldiçoaram a Estrada e todo o reino. Qualquer pessoa que ousasse atravessar a Estrada seria tomada por alucinações e delírios. Muitas eram vítimas de dragões imaginários ou de trolls descontrolados. Algumas morriam por ficarem loucas e se matarem ou por nunca conseguirem achar o fim da estrada, morrendo de fome. Tomados pelo medo da morte, os viajantes pararam de freqüentar a Estrada e passaram a chegar nos Portos de Andalin seguindo o Rio Dorna.
Sinaanrel sabia que eram apenas ilusões, por isso decidira passar por ali. Helin não sabia disso e ao chegar na estrada, protestou:
- Sinaanrel, você está louco, nunca conseguiremos chegar nos Portos de Andalin por aqui! Esta estrada foi amaldiçoada e todos os que ousam atravessá-la morrem!
Sinaanrel continuou cavalgando. - Confie em mim, Helin. Venha comigo e veja por si mesmo como a maldição dos Elfos Escuros funciona. - disse o elfo.
Helin olhou-o com censura enquanto o amigo elfo cavalgava tranqüilamente pela estrada. Assim como o previsto, Helin pensou estar sendo seguido por dragões, correu de um exército de trolls e quase derrubou Sinaanrel do cavalo ao tentar salvá-lo de uma lança.
- Ignore as visões, Helin. Nada disso é real, são apenas ilusões. - disse Sinaanrel pacientemente.
- Mas parecia tão real! Você viu muito bem! Aquela lança quase acertou a sua cabeça! - gritou Helin.
- Sua mente a torna real, Helin. Apenas ignore as ilusões, que elas não lhe farão mal algum. - disse Sinaanrel.
Com o passar do tempo, Helin foi acostumando-se com as ilusões e viu que realmente nenhuma delas o atacava, se ele não estivesse com medo. Acalmou-se, cavalgando tranqüilamente e na manhã seguinte avistaram um ponto cinza na paisagem esverdeada: Os Portos de Andalin. Finalmente, depois de dias de viagem haviam chegado nos Portos, onde Sinaanrel deixaria Helin e voltaria para Yáris.
- Uma pena você ter que voltar para Estrela Perdida. Eu ficaria muito honrado se me acompanhasse até o Grande Lago. Lá poderia conhecer minha tia, Mimerath e desfrutar do paraíso que é a Floresta do Lago. Ela o trataria muito bem, sendo filho de Sinaarth ou não. - disse Helin diminuindo passo. Estavam na entrada dos Portos e já podiam ver as lindas e gigantescas embarcações.
- Estranho. Você mesmo não gostava da minha companhia quando saímos de Yáris, mas agora quer que eu continue viajando com você! - exclamou Sinaanrel.
- Ora, de certo modo eu até continuo não gostando, pois você, assim como todos os outros elfos de Yáris, acham que eu não sei tomar conta de mim. Apesar disso, acostumei-me a conversar enquanto cavalgávamos e agora seria entediante viajar solitário. - defendeu-se o elfo de Niarath.
- Eu fui muito útil quando o salvei da wimbelle e o guiei pela Estrada Abandonada. - disse Sinaanrel sorrindo e Helin corou.
- Sou um viajante e cavaleiro, mas nunca pisei nessas terras. Passei a minha vida inteira viajando por Diernithan, Ernath, Heireth e Sorarth. Conheço-as com a palma da mão. - defendeu-se. Sinaanrel riu, aproximando-se da Estalagem de Andalin e desceu do cavalo.
- Vamos procurar informações aqui. Saberemos quando a próxima embarcação partirá, assim teremos tempo para descansarmos. - disse ele. – Vou com você para o Grande Lago, já que estou aqui. Além do mais, essa aventura já me prendeu o bastante, me sentiria um covarde fugindo dela.
A Estalagem era como todas as outras: cheias de homens bêbados, barbados, viajantes sujos e maltrapilhos. O cheio forte do fedor e da bebida empestiava o salão e o barulho era infernal. Havia alguns elfos envoltos com capas no canto direito do salão. Estavam bem quietos e quase não se mexiam. Tinham maravilhosos cabelos negros e olhos da cor do céu da meia noite com o brilho das constelações. Todos levavam arcos e espadas enfeitadas com o emblema de Ath-Erna: uma estrela dourada com sete pontas, contornada por folhas verdes. Havia algo naqueles elfos que os tornavam especiais. Suas peles eram escuras como a noite, ocultando-os nas sombras. Eram os Elfos Negros, muito raros, uns dos mais poderosos de toda Syëmberarth.
- Está vendo aqueles elfos no canto? Os de capas escuras? - perguntou Sinaanrel. - São Elfos Negros, provavelmente vindos do Vale da Névoa. Estão com o emblema de Ath-Erna. São Altos-Elfos de Diernithan, poderosos e abençoados.
- Meu pai disse que eles estão lutando com todas as forças contra o Escuro. - disse Helin atento, olhando para os sérios e calados elfos. - Está vendo aquele elfo sentado no centro, segurando o escudo? Ele é Kernarë, Rei de Ath-Erna. Já o vi algumas vezes quando estive no Vale da Névoa. É um grande rei e luta com todas as forças pelo seu povo. Meu pai o conhece.
- Estou vendo que também sabe bastante sobre os Elfos Negros. São amigos e não negariam ajuda, caso pedíssemos. Acho que podemos falar com eles. - disse Sinaanrel.
Helin concordou e foi em direção aos elfos quietos no canto do salão. Sinaanrel o seguiu, feliz por ter encontrado aliados em um lugar como aquele. Fazendo uma grande reverência, Helin saudou os Elfos Negros na língua de Diernithan.
- Sou Helin, príncipe de Niarath, filho de Gerad, e este é Sinaanrel, príncipe de Yáris, filho de Sinaarth. Estamos honrados em encontrá-lo, Kernarë, Rei de Ath-Erna. - disse Helin, politicamente.
Kernarë olhou-o por um momento, levantou-se, deixando o escuro de lado, e cumprimentou os elfos.
- É muito bom encontrar velhos amigos nos Portos. - disse Kernarë. Sua voz era calma e macia. - Não tivemos boas notícias desde que saímos de Ath-Erna. O que o traz a Andalin, filho de Gerad? Faz muito tempo que não vejo seu pai. Como está o Rei de Niarath?
- Meu pai está muito bem, porém preocupado. O Escuro avança cada vez mais e logo o poder da Espada não conseguirá defender a floresta. - respondeu Helin tristemente. - Estou indo para o Grande Lago, falar com minha tia, Mimerath.
- Ah, Mimerath. A muito desejo ver os antigos amigos, mas ao que parece, esta época conturbada não me deixa tempo livre. Felizmente, iremos à Floresta dos Segredos e passaremos pelo Grande Lago. Não hesitarei em visitar Mimerath. - disse o elfo. Kernarë já vivia há muito tempo. Tinha o rosto marcado por pouquíssimas rugas e aparentava ter quarenta anos na idade dos homens. Tinha o sorriso mais reconfortante que Helin já vira e mesmo tendo viajado milhas e milhas, o Elfo Negro parecia estar vestido para uma celebração. Sinaanrel não deixou de notar que nos olhos de Kernarë, negros como a noite, havia uma tristeza profunda, provavelmente causada pelos lamentáveis acontecimentos. No caminho para os Portos de Andalin, Kernarë e os outros tiveram que lutar contra alguns elfos de sua própria raça.
- Que notícias trazem do Norte, bravos viajantes? - perguntou Helin sentando-se.
Kernarë suspirou:
- Infelizmente, só trago notícias ruins. Achávamos que os Elfos Negros estavam livres do Escuro, mas alguns estão perdendo as esperanças e se tornando Elfos Escuros. É lamentável para um rei lutar contra seu próprio povo...seu próprio sangue.... - o elfo calou-se. Os outros abaixaram suas cabeças, também tristes com a matança.
- Sinto muito, Kernarë. Meu pai previu que uma força vinda do leste protegeria a Torre de Arcath. Todos nós confiamos no poder dos Elfos Negros e sabemos que se juntarmos nossas forças, descobriremos uma maneira de derrotar o Escuro. Sabe algo sobre ele?
- Não muito. Sabemos apenas que não é algo material. Parece uma força que invade os corações fracos e se apodera de seus corpos. - disse Kernarë
Um elfo que estava sentado ao seu lado levantou a cabeça e disse em uma voz quase inaudível:
- E não existe maneira de trazer a pessoa de volta. Uma vez que ela foi dominada, não poderá se livrar da maldade e da tristeza. - e calou-se.
Houve um silêncio entre eles. Sinaanrel olhou para os lados. Viajantes cantavam alegremente, constantemente copos quebravam e as gargalhadas soavam como tambores nos ouvidos do elfo de Yáris. Será que nenhum daqueles homens compreendia a gravidade da situação?
Kernarë quebrou o silêncio:
- Pela manhã partirá um barco para o Grande Lago, mas somente para nós. Para evitar a entrada de estranhos, Mimerath fechou seus limites. Não deixa mais nenhum barco atracar nas proximidades e colocou arqueiros por todos os lados. Arcath tornou-se perigosa...se desejar partir o mais rápido possível, poderá ir conosco.
- Agradecemos a oferta e iremos com vocês, se Sinaanrel também o desejar. Estamos viajando há dias e ainda não tivemos um bom descanso. - disse Helin, agradecido.
- Terão tempo suficiente para o descanso quando estiverem em alto mar, caros amigos. Infelizmente teremos que passar a noite aqui, já que não há mais nenhuma estalagem nas proximidades. Todos os aposentos já estão ocupados, tempos de muito movimento aqui, então teremos que nos acomodar por aqui mesmo. - Kernarë mexeu-se na cadeira, sentindo o desconforto e sorriu de leve. - Nada que um elfo das montanhas não possa suportar.
Os elfos passaram o resto da noite conversando baixo, com cuidado para espiões ou outros homens de más intenções não ouvirem, e pararam um pouco para observar os viajantes. Helin tomou apenas o resto de seu tenrain - tomara quase tudo quando quase teve sua alma sugada pela wimbelle - e comeu um pouco do pão da Colônia. Sinaanrel não quis comer nada. Estava distraído olhando um homem estranho no outro lado do salão. Quando Helin ofereceu ao amigo elfo o último gole de tenrain, tirando sua atenção, o homem misteriosamente desapareceu sem deixar pistas para onde fora.
Pela manhã, como o planejado, os elfos arrumaram-se e zarparam. O mar estava calmo e a brisa marinha purificava o ar pesado que corria naquela região. Sinaanrel não vira mais o misterioso homem da estalagem na noite anterior, mas agora o elfo estava muito mais calmo e descansava na proa no barco, cantando baixo uma linda música. Havia no barco cerca de vinte elfos, dez homens e alguns animais mágicos, incluindo uma águia vermelha, um espécime raro das maravilhosas Aves Mensageiras. A águia tinha olhos vermelhos como o fogo e descansava ao lado de seu dono, um elfo do Vale da Névoa. Sinaanrel observou o animal, e fascinado, sussurrou algumas palavras na Língua Antiga. A águia soltou um grito agudo, levantou vôo e pousou ao lado de Sinaanrel, que começara a cantar. O elfo de Yáris acariciou a ave, feliz por ela tê-lo aceitado como amigo e orgulhoso de sua habilidade com animais mágicos.
- É uma linda ave. - disse Sinaanrel. - Deve tê-la achado nas mais altas montanhas de Diernithan, não é mesmo?
O Elfo Negro se aproximou e confirmou:
- Sim, essa águia foi achada no mais alto pico das montanhas de Diernithan. Tem um espírito forte e mais livre de todos os animais. É chamado pelos elfos de Ath-Erna de Incalirah.
- Se Incalirah é livre, você não pode ser seu dono. - disse Sinaanrel.
- Incalirah é livre para decidir se quer ficar comigo ou não e até mesmo para escolher onde quer ir. Eu apenas cuido dele. - retrucou o elfo. - Eu não teria o direito de prendê-lo, ele representa a liberdade. Todo o seu brilho e resplendor se perderia se eu o mantivesse comigo.
- Não quis ofendê-lo, aceite minhas desculpas. Acredito que mesmo se você se declarasse dono dele, Incalirah não aceitaria. Nenhum de nós conseguiria domar uma criatura dessas, tão especial e mágica. - disse Sinaanrel, enquanto a águia subia em seu ombro, retribuindo as carícias do elfo. Ela então levantou vôo, sumindo entre as nuvens. Sinaanrel sorriu, sabendo que ainda havia esperanças em seu coração. Aquela águia o mostrara isso apenas existindo.
O resto do dia passou bem devagar, para a alegria e satisfação dos elfos viajantes. Helin e Sinaanrel passaram a manhã inteira conversando e cantando pelo barco, alegrando os corações dos homens que iriam para o Grande Lago. Por volta do meio dia, quando a comida estava sendo servida, alguns homens diziam ter visto uma das mais belas e fascinantes criaturas mágicas: os ernalar.
Ernalar era uma espécie de peixes vinda do Mar Soonarë, fugindo das Tempestades. Os peixes dessa espécie eram prateados, com grandes barbatanas que lembravam as lindas vestes dos elfos livres, esvoaçando graciosamente. Tinha por volta de um metro e meio, olhos brilhantes e prateados. Alguns tinham um brilho levemente azul, outros eram esverdeados, mas a maioria era prata reluzente. Antigos marinheiros os confundia com diamantes brilhando no fundo da água. A presença daqueles peixes enchia o barco de paz e tranqüilidade, favorecendo o descanso dos tripulantes.
Depois de apreciar os ernalar, os elfos se reuniram para cantar e recitar poemas. Reviveram as antigas lendas, contaram suas aventuras - Sinaanrel obrigara Helin a contar o caso das wimbelles - e se deliciaram comendo os pães e doces que os cozinheiros prepararam. Observando o crepúsculo, Kernarë se perdeu em seus pensamentos, talvez prevendo o que estava prestes a acontecer. Havia uma sombra em sua mente que se relutava a sair. Pensou se poderia estar perdendo as esperanças, mas quando Helin o chamou para participar dos divertimentos, o Rei de Ath-Erna esqueceu-se da sombra, temporariamente, e se divertiu.
- Vamos, caros amigos! Divertiremos hoje, pois dentro em breve a nossa hora de lutar chegará! Aproveitemos a música, a comida e a bebida e que não nos falte nada em Arcath! Vamos, Príncipe de Niarath, cante mais uma de suas músicas! - gritou um cavaleiro do Povoado do Norte.
Helin sorriu, pegou a harpa que antes estava nas mãos de Kernarë e começou a tocar uma música sobre Mimerath. Todos o ouviram atentamente, tanto os que já a conheciam quanto os que ainda não haviam ouvido nada sobre a poderosa elfa. Ao terminar, Helin ofereceu a harpa a Sinaanrel e pelo resto da noite, todos se divertiram e esqueceram dos problemas.
A manhã chegou com os lindos raios de sol, acordando os viajantes. Naquele dia chegariam no Grande Lago e já logo já estavam preparando-se para atracar. Impossibilitado pela falta de vento, o barco só chegou nas bordas da Floresta do Lago no final da tarde, exatamente quando os pássaros da praia caçavam comida.
Descendo do barco com seu cavalo, Sinaanrel ouviu um grito agudo: Incalirah voava em sua direção. Sorrindo, o elfo cumprimentou a águia, antes da águia dar uma cambalhota de agradecimento no ar e voar para o elfo que o protegia. Este sorriu para Sinaanrel e deu as costas, sumindo entre as folhas escuras da floresta.
- Espero vê-los novamente! – gritou Sinaanrel. Depois se virou para Helin, que terminava de ajudar os outros elfos a descer do barco. - Sinto algo estranho aqui. Parece que estamos sendo vigiados, não tem essa impressão?
- Claro que tenho, porque estamos no Grande Lago. Mimerath colocou arqueiros por toda a floresta e nos observam a cada instante. - respondeu Helin. Sinaanrel olhou a sua volta. Não havia nenhum ruído estranho, incomum aos da floresta, mas o elfo sabia que alguém estava observando seus gestos.
- Não gosto desse lugar. Não me sinto bem. - disse Sinaanrel.
-Ah, meu amigo, logo você verá o que é o paraíso e garanto que este vai ser um dos seus lugares preferidos! Minha tia recebe bem os convidados - pelo menos os convidados não-suspeitos - e faz de tudo para que sintam bem. Não se incomode com esses arqueiros, eles estão vigiando exatamente para a nossa proteção. Ou você está com medo deles? - perguntou Helin com um sorriso provocador.
- Não, não tenho medo deles. Mas algo está estranho. Senti essa mesma sensação quando estive na Estalagem dos Portos. - respondeu Sinaanrel. - Bom, vamos logo, os Elfos Negros estão nos esperando.
Após despedirem-se dos elfos e homens que não ficariam no Grande Lago, Sinaanrel, Helin e os Elfos Negros montaram em seus cavalos e saíram em direção à casa de Mimerath. Tinham que atravessar uma parte da floresta antes que chegassem no lago.
- Mimerath ainda recebe as sacerdotisas no inverno? Ouvi dizer que elas estão todas possuídas pelo Escuro e que já mataram muito elfos. Não quero ser vítima de seus cruéis sacrifícios. - disse Kernarë.
- Não, desde que minha tia colocou os arqueiros, nenhuma sacerdotisa ousou entrar na floresta. Aliás, quase não existem mais sacerdotisas! Ou será que vivem iguais aos anões? Escondidos nas minas, sem nunca sair! Já ouvi dizer que nem existiam mais anões! As aranhas gigantes que vivem nas profundas fendas da terra devoraram todos! - disse Helin.
- Ah! - exclamou Sinaanrel. - Os anões ainda vivem, assim como as sacerdotisas, mas se escondem, como Helin disse. Se não estou enganado, ainda há anões nas profundezas das cavernas de Inthar, mas duvido que durarão mais tempo. Aposto que estão todos dominados.
- Inthar! Inthar não é lugar para nenhum povo viver, é uma terra condenada! - disse Helin. - Se ao menos aquela sombra fosse dispersada, aquela região ainda serviria de refúgio para os reinos em decadência. Nunca crescerá nada verde naquela terra. Está toda amaldiçoada!
- Não acredito que Inthar nunca se revigorará. Algum dia um ser muito poderoso purificará aquela terra, guardem as minhas palavras. - disse Kernarë.
Houve um silêncio. As palavras de Kernarë soaram como se Inthar já estivesse viva novamente. Helin se perguntava por que um rei élfico tão poderoso como Kernarë não estaria cavalgando para Inthar, purificando as terras, como ele havia dito. Ele tinha poder para isso, pelo menos aparentava.
- Acho que é melhor viajarmos em silêncio agora. Não queremos ser confundidos com algum mal, não é mesmo? - disse Kernarë.
A Floresta do Lago era como a maioria das florestas élficas: misteriosas, cheias de vida e de criaturas mágicas. Ao contrário de Yáris e da Grande Floresta, os domínios de Mimerath eram vivos e alegres, não eram escuros e sombrios. Helin e Sinaanrel já haviam se acostumado com a escuridão das florestas em que viviam e achavam o Grande Lago mais parecido com uma floresta de homens do que de elfos.
Mimerath gostava muito dos humanos. Tinha descendência humana, pois seu avô paterno era Hanruil, Rei de Arcath. Havia muito mais do que sangue humano nas veias de Mimerath. Ela casara-se com um cavaleiro muito respeitável do Povoado do Norte, tendo um filho meio-elfo, o qual tinha características marcantes das duas raças. Ao contrário dos elfos das florestas, Mimerath achava que os homens, apesar de serem fracos e viverem pouco, ainda salvariam todas as raças de Syëmberarth, pois suas mentes eram brilhantes e especiais. É claro que muitos reis élficos não concordavam, pois achavam que os homens só atrapalhavam, prolongando a ameaça do Escuro e disseminando ainda mais a tristeza.
Andando pela floresta podia-se ver casas diferentes tanto quanto dos elfos quanto dos homens: uma mistura arquitetônica ideal para os meio-elfos, - o que fazia do Grande Lago o melhor lugar para eles - que ao mesmo tempo que cultuavam a natureza e recusavam-se a destruir as árvores, não queriam viver sobre elas, nas altas salas feitas de vidro e prata. Helin, mesmo já tendo estado no Grande Lago muitas vezes, ficou fascinado ao ver as belíssimas criações dos meio-elfos! Como conseguiam criar tal sociedade, ao mesmo tempo sem destruir a floresta e viver como os homens? Tudo isso com certeza fazia parte da genialidade de Mimerath, considerada por muitos a maior Senhora Élfica de todos os tempos. Maior até do que Niarë.
Enquanto aproximavam-se da casa de Mimerath, ouviam uma linda canção, provavelmente obra dos elfos mais talentosos de Arcath. Sinaanrel achou aquela música muito parecida com a que Helin cantara no barco enquanto viajavam e se perguntava se o amigo vivera com Mimerath. Mesmo com os poucos séculos que tinha, Helin era bastante sábio e já percorrera muitas milhas dessas terras - com exceção é claro, algumas terras de Dornath. Não seria surpresa se Helin tivesse passado alguns anos com sua tia. Agora Sinaanrel sentia-se um estranho, pois nunca havia pisado aquele solo e pouco sabia sobre a cultura dos meio-elfos.
- Helin! - sussurrou Sinaanrel, para que ninguém o ouvisse. - Conhece essa melodia, não conhece? Você a cantou no barco, se não estou enganado.
- Sim, é a canção de Hanruil, avô de Mimerath. Conta sobre seus feitos no antigo reino de Sernar, atual Anteron. Eu a aprendi quando passei um tempo aqui, junto de minha irmã. - respondeu Helin.
- Sua irmã! Você nunca a tinha mencionado! - disse Sinaanrel enrubescendo. - Helinë está bem?
- Ela está bem, só que está viajando. Foi ficar com os elfos de Sorar. Você a conhece? - perguntou Helin levantando uma sobrancelha.
- Ah, não! Só ouvi falar dela. - disse Sinaanrel. Com certeza, ouvira falar de Helinë: a mais bela princesa que a Grande Floresta já vira.
Helin sorriu, percebendo que o amigo ficou desconcertado com a menção do nome de sua irmã e calou-se.