Dois amigos conversavam no bar:
_Estou te dizendo, os mortos conversam entre si.
_Mas qual! Exclamou espantado o amigo descrente. Então você quer que eu acrediite que os mortos conversam?
_Te juro. Você sabe que eu relutei em aceitar o emprego de coveiro, afinal sou quase um bacharel, mas como a condição está dícifil...
_Pois eu acho que a friagem que você está tomando na cabeça está te fazendo mal. Onde já se viu! Mortos conversando...
_É sério. Eles saem de suas tumbas de madrugadas e ficam trocando altas idéias. Tem o motorista de caminhaõ que morreu dirigido e dormindo, tem a ricaça da sociedade que foi morta pelo marido traído, tem a patricinha que foi estuprada e morta pelo namorado, tem o empresário falido que se matou...
_E o quê que eles conversam? Perguntou o amigo, com uma ponta de curiosidade e um outro tanto de ironia.
_De tudo. Acho que depois que nos morremos, perdemos um pouco dessa mania de guardar segredos inúteis e nos acharmos superiores aos outros.
_E eles não reclamam que você fique ouvindo as conversas deles?
_Eles não têm essa preocupação. Não têm mais nada para esconder. Se você quiser, pode ir uma noite lá no cemitério para ouvir também...
_Tá louco? Nem morto eu entro no cemitério à noite. Ou melhor, só morto.
_Tá bom; pelo menos você acredita em mim?
_Não. E pague logo a saideira que já está ficando tarde.
Os amigos beberam, pagaram e foram embora discutindo, andando pelas ruas sem que ninguém os visse; como dois fantasmas fugidos do cemitério.