Seria mais fácil encontrarem o Lalau do que eu me encontrar com a Débora. Muito mais provável de achar petróleo no fundo de minha casa do que receber um telefonema de Débora. A Débora está para mim, assim como a galáxia mais próxima está para a terra: inatingível. Ainda assim, minha vida está dividida entre A.D. e D.D. : antes de Débora e depois de Débora.
Em um mundo de Feiticeiras, Tiazinhas e Tchans, Débora reina absoluta, como aquela beleza que não encontra rivais. Uma Marilyn Monroe adicionada à Isabela Rosselini com pitadas de Sophia Loren. Muitas virão e irão, mas Débora é constante, a Débora é a Débora. E ponto final.
O impossível aconteceu em uma tarde preguiçosa de Quarta-feira. Débora me ligou. Reconheci-a pela leve suspiro. Sabe aquela tomada de ar que se faz antes de falar ? Foi assim que a reconheci, antes mesmo de dizer qualquer coisa. Ninguém faz aquela sucção de ar como a Débora. E já estava eu ali, completamente derretido, o café derramado pela calça, as torradas espalhadas pelo chão. Ainda bem que não estava fazendo a barba. Ouvir sua voz foi demais para mim. Disse que precisava me ver, que tínhamos algo sobre o que conversar, precisava muito de mim.
Minha pulsação que estava lá pelos setenta, passou dos duzentos. Encontrar Débora novamente só tinha um significado: Reconciliação. Sim, sim, sim !! Faria qualquer coisa para voltar para ela. Cancelaria o futebol aos Domingos, compraria roupas novas e me livraria dos remendos com que sempre andava, aprenderia a gostar de Fábio Júnior, e deixaria até ela comprar um gato, como sempre quisera, mas que eu, de maneira egoísta a impedira em outras ocasiões. Sim, para tê-la de volta eu estava disposto a fazer sacrifícios: sempre baixar a tampa do vaso, colocar as coisas nos seus devidos lugares, oferecer flores todas as semanas, aprender a lavar os pratos, vencer meu pavor por tarefas domésticas, assistir à novela das oito e verter rios de lágrimas quando assistíssemos a um filme triste. Tudo por Débora.
Minha preparação levou mais de duas horas. A chegada à sua casa uns trinta minutos. O tempo que ela levou para atender a campainha uma eternidade. Mas então...
Lá estava ela. Melhor do que nunca. Ofereci as flores e ela me convidou para entrar. Segui-a levitando, enebriado por seu perfume. Pousei com a maciez de uma pétala em seu sofá, deixei-me afundar no horizonte azulado de seus olhos. Foi quando ela me perguntou: “Voce conhece a Amway?”
“O quê ?” Como? ” – balbuciei. ‘É a Amway, sabe. Sou sócia e queria convidar voce para entrar nela. É só comprar um desses produtos – ela atira um catálogo com mais de mil ítens na minha frente – que voce compra e acumula pontos e aí...” . Ela vai falando mas eu estou em choque, não entendo nada do que está acontecendo. Nesse momento soa o gongo, ou melhor, a campainha. “ Só um minutinho, que eu vou atender a porta...” Quando ela volta, ainda estou na mesma posição, paralisado. “André, - diz ela sorrindo acompanhada de um homem. – Quero te apresentar Marcus, o meu marido”...
Meu mundo vira de cabeça para baixo. É como se eu tivesse levado um murro no estômago. Marido ?? Mas que história era essa de marido ? E a reconciliação ? ....
“Vai ali, vai, meu bem. Dá um “oi” pro tio.” – diz Marcus. E então, vindo por detrás dele, sai uma criança. “ Meu filhinho, José” completa Débora. “Que gracinha” –é tudo o que consigo dizer...
Pois é. Hoje é uma Quarta-feira também. Não estou esperando nenhum telefonema. Aliás, nem que o telefone toque eu vou atender. Pode ser a Débora, uma balzaquiana cheia de sardas, óculos de fundo de garrafa, nariz adunco e orelhas de abano. É, uma gorda, que vive pegando no meu pé...