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Contos-->As peripécias de um gari -- 11/04/2003 - 15:18 (Carlos Rogério Lima da Mota) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Celso é um varredor de rua, seu sonho é ser dono de uma fábrica de vassouras. Conhecido por causa da letra da música de sua autoria: "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia!", ele desfila pelas ruas de uma grande cidade, entoando seu canto, sua marca pessoal. Bem-humorado, apesar de varrer o lixo dos outros, observa tudo que está a seu redor, desde os jornais das bancas até a conversa do povo nos pontos de ônibus...

__ "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia...” Ei pessoal, estou varrendo a rua desta cidade há uns seis anos, sei que aprendi muita coisa nessa profissão, inclusive como sujar o chão, xingar a mãe daquele que insiste cuspir na calçada, enfim, matérias que faculdade nenhuma conseguiria ensinar em tão pouco tempo... Durante o período que estou aqui, vi muita coisa acontecer no Brasil e no mundo: Guerras no Oriente Médio, a clonagem de animais, a destruição das torres do Word Trade Center... Hum!!! "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia!" Sabe, gente, não há melhor emprego do que varrer rua... Somos mais conhecidos que atores de televisão! Por onde passamos, o povo cochicha: "aí vêm os lixeiros!" Que profissão! Não há nada melhor!

__E aí, seu Celso? Como vai o estômago?-pergunta seu Pedregulho, aproximando-se.

__Cheio! A bóia que a mulher mandou estava uma delícia, não sobrou grão sobre grão...

__Pois é! Pois é! –diz o homem, sorrindo. Mas agora tenho que ir. Passe bem e varra bem!

__Pode deixar!!!!

Enquanto Celso varre a rua, duas moças se aproximam. Distraídas, param ao lado do carrinho dele e continuam a seguinte conversa:

__Viu, Luara, o Geraldo é mesmo um belo rapaz!

__Ih, acho que você está se apaixonando por ele, Lindalva!

__Eu, me apaixonando? De maneira alguma, você está louca.

Enquanto conversa, Lindalva retira da bolsa uma bala, abre-a e joga o papel no chão. Todos seus movimentos são acompanhados pelos olhos então indignados do varredor, que revoltado, entra na conversa:

__Ô, fia!!! Fia!!! Psiu!

__O senhor falou comigo? – pergunta Lindalva, com ar esnobe.

__Cê acha, Lindalva, deve ter sido com a tal da "Psiu"! – responde, ironicamente, Luara.

__Pois eu falei com a senhora sim! Olhe aqui dona, só porque a senhora é chique, isso não lhe dá o direito de sair sujando o que já limpei; pois olhe o papel que jogou no chão! Isso é coisa de se fazer? Se a senhora estivesse nos Estados Unidos, a essa hora estaria levando uma baita multa.

__Não me estresse, tio!

__Cê acha que eu seria tio de uma...uma...sujeitinha suja como a senhora? Hum!

__Olhe o respeito! – exclama, rindo, Luara.

__O senhor pensa que está falando com quem, seu lixeiro atrevido? Pois saiba, sou filha do empresário Sérgio Ribanceira, um dos cidadãos mais influentes desta cidade...

__Pois eu sou filho da Maria Cidona!

__Vou pedir para meu pai mover seus pauzinhos e exonerá-lo...

__Exô...o quê? O que é isso? Por acaso é alguma macumba de fundo de quintal?

__Seu insolente!

__Gostei do senhor!- Brinca Luara.

__De que lado está, Luara?- pergunta, enraivecida, Lindalva.

__Sei lá!- Afasta-se, gargalhando.

__Pois saiba o senhor, não vou pegar este papel de bala nem que me mate, afinal, o senhor é pago pra quê, se não para limpar?

__Sou pago sim, e muito bem pago, mas para limpar a sujeira trazida pelo vento, pelo tempo, não por uma garota mimada, que utiliza o nome do pai para fazer ameaças...

__Esse homem não é tão chulo assim, Lindalva!

__Chulo? Ele é grosseiro!

__Isso sou mesmo, olhe minhas mãos, veja os calos que a vassoura faz, estão até estorricados.

__Desagradável!

__Deixe de insultos, moça, quero apenas que pegue o papel que jogou no chão.

__Nunca!

__Pegue o ônibus no próximo ponto!

__Como?

__Vila de São Nunca fica na zona sul da cidade, vai para lá fazer o quê?

__Pegue logo esse papel, Lindalva! O que custa? Cumpra sua obrigação em manter limpa a cidade!- diz, zombando, Luara.

__Para que ele recebe salário?

__Para ser tratado como um "lixeiro", não percebe?- diz Luara.

__Qual o nome da senhora?- pergunta Celso a Luara.

__Luara do Amanhã, a seu dispor.

__Pois gostei da senhora!

__Digo o mesmo!

__Tem compromisso para esta noite?

__Espero ter, desde que me convide...

__O quê? Você terá coragem de sair com esse molambento, cheirando a suor, cujo salário não compra sequer a mais chinfrim das gravatas de meu pai?- pergunta, assustada, Lindalva, ao interromper a conversa.

__Era só o que me faltava! Qual o problema dele ser varredor? Para mim é um ser como qualquer outro, justamente por isso, deve ser respeitado. Sabe, Lindalva, seu mal é ser esnobe, metida, mimada, como disse este senhor.

__Luara...????- interrompe, espantada, Lindalva.

__Mimada sim! E para mostrar a você que a humildade nessa vida é a coisa mais bonita que existe, pegarei o papel do chão e o jogarei no carrinho de lixo. Aprenda com esse gesto que um dia estamos por cima, noutro por baixo. Quem sabe um dia não estará varrendo a rua como o senhor...senhor...

__...Celso! Seu criado.

__...Celso! Obrigada!

__Deus que me livre! Prefiro a morte!

E lá se vai a mulher, ensandecida. Vendo-a sumir pelas ruas da selva urbana, Luara volta-se para Celso, dizendo:

__Esta nunca aprende! Mudando de assunto, aceita um refrigerante?

__Só se for bem rapidinho, estou em serviço!

__Não vai demorar um minuto...

Para demonstrar carinho pelo rapaz, dá-lhe o braço, e ambos, agarradinhos, caminham em direção ao bar do seu Bigode. Ainda no caminho, Celso pega uma bala do bolso, abre-a e joga o papel no chão. Um outro gari, vendo o acontecido, grita:

__Ei, a rua não foi feita para lixo! Lixo se joga no lixo!

Ironicamente, Celso responde:

__Você é pago para quê, se não para limpar?

Acesse o site deste autor: www.escritorcarlosmota.com
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