Celso é um varredor de rua, seu sonho é ser dono de uma fábrica de vassouras. Conhecido por causa da letra da música de sua autoria: "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia!", ele desfila pelas ruas de uma grande cidade, entoando seu canto, sua marca pessoal. Bem-humorado, apesar de varrer o lixo dos outros, observa tudo que está a seu redor, desde os jornais das bancas até a conversa do povo nos pontos de ônibus...
__ "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia...” Ei pessoal, estou varrendo a rua desta cidade há uns seis anos, sei que aprendi muita coisa nessa profissão, inclusive como sujar o chão, xingar a mãe daquele que insiste cuspir na calçada, enfim, matérias que faculdade nenhuma conseguiria ensinar em tão pouco tempo... Durante o período que estou aqui, vi muita coisa acontecer no Brasil e no mundo: Guerras no Oriente Médio, a clonagem de animais, a destruição das torres do Word Trade Center... Hum!!! "Varro a rua todo dia, como a velha da minha tia!" Sabe, gente, não há melhor emprego do que varrer rua... Somos mais conhecidos que atores de televisão! Por onde passamos, o povo cochicha: "aí vêm os lixeiros!" Que profissão! Não há nada melhor!
__E aí, seu Celso? Como vai o estômago?-pergunta seu Pedregulho, aproximando-se.
__Cheio! A bóia que a mulher mandou estava uma delícia, não sobrou grão sobre grão...
__Pois é! Pois é! –diz o homem, sorrindo. Mas agora tenho que ir. Passe bem e varra bem!
__Pode deixar!!!!
Enquanto Celso varre a rua, duas moças se aproximam. Distraídas, param ao lado do carrinho dele e continuam a seguinte conversa:
__Viu, Luara, o Geraldo é mesmo um belo rapaz!
__Ih, acho que você está se apaixonando por ele, Lindalva!
__Eu, me apaixonando? De maneira alguma, você está louca.
Enquanto conversa, Lindalva retira da bolsa uma bala, abre-a e joga o papel no chão. Todos seus movimentos são acompanhados pelos olhos então indignados do varredor, que revoltado, entra na conversa:
__Ô, fia!!! Fia!!! Psiu!
__O senhor falou comigo? – pergunta Lindalva, com ar esnobe.
__Cê acha, Lindalva, deve ter sido com a tal da "Psiu"! – responde, ironicamente, Luara.
__Pois eu falei com a senhora sim! Olhe aqui dona, só porque a senhora é chique, isso não lhe dá o direito de sair sujando o que já limpei; pois olhe o papel que jogou no chão! Isso é coisa de se fazer? Se a senhora estivesse nos Estados Unidos, a essa hora estaria levando uma baita multa.
__Não me estresse, tio!
__Cê acha que eu seria tio de uma...uma...sujeitinha suja como a senhora? Hum!
__Olhe o respeito! – exclama, rindo, Luara.
__O senhor pensa que está falando com quem, seu lixeiro atrevido? Pois saiba, sou filha do empresário Sérgio Ribanceira, um dos cidadãos mais influentes desta cidade...
__Pois eu sou filho da Maria Cidona!
__Vou pedir para meu pai mover seus pauzinhos e exonerá-lo...
__Exô...o quê? O que é isso? Por acaso é alguma macumba de fundo de quintal?
__Seu insolente!
__Gostei do senhor!- Brinca Luara.
__De que lado está, Luara?- pergunta, enraivecida, Lindalva.
__Sei lá!- Afasta-se, gargalhando.
__Pois saiba o senhor, não vou pegar este papel de bala nem que me mate, afinal, o senhor é pago pra quê, se não para limpar?
__Sou pago sim, e muito bem pago, mas para limpar a sujeira trazida pelo vento, pelo tempo, não por uma garota mimada, que utiliza o nome do pai para fazer ameaças...
__Esse homem não é tão chulo assim, Lindalva!
__Chulo? Ele é grosseiro!
__Isso sou mesmo, olhe minhas mãos, veja os calos que a vassoura faz, estão até estorricados.
__Desagradável!
__Deixe de insultos, moça, quero apenas que pegue o papel que jogou no chão.
__Nunca!
__Pegue o ônibus no próximo ponto!
__Como?
__Vila de São Nunca fica na zona sul da cidade, vai para lá fazer o quê?
__Pegue logo esse papel, Lindalva! O que custa? Cumpra sua obrigação em manter limpa a cidade!- diz, zombando, Luara.
__Para que ele recebe salário?
__Para ser tratado como um "lixeiro", não percebe?- diz Luara.
__Qual o nome da senhora?- pergunta Celso a Luara.
__Luara do Amanhã, a seu dispor.
__Pois gostei da senhora!
__Digo o mesmo!
__Tem compromisso para esta noite?
__Espero ter, desde que me convide...
__O quê? Você terá coragem de sair com esse molambento, cheirando a suor, cujo salário não compra sequer a mais chinfrim das gravatas de meu pai?- pergunta, assustada, Lindalva, ao interromper a conversa.
__Era só o que me faltava! Qual o problema dele ser varredor? Para mim é um ser como qualquer outro, justamente por isso, deve ser respeitado. Sabe, Lindalva, seu mal é ser esnobe, metida, mimada, como disse este senhor.
__Luara...????- interrompe, espantada, Lindalva.
__Mimada sim! E para mostrar a você que a humildade nessa vida é a coisa mais bonita que existe, pegarei o papel do chão e o jogarei no carrinho de lixo. Aprenda com esse gesto que um dia estamos por cima, noutro por baixo. Quem sabe um dia não estará varrendo a rua como o senhor...senhor...
__...Celso! Seu criado.
__...Celso! Obrigada!
__Deus que me livre! Prefiro a morte!
E lá se vai a mulher, ensandecida. Vendo-a sumir pelas ruas da selva urbana, Luara volta-se para Celso, dizendo:
__Esta nunca aprende! Mudando de assunto, aceita um refrigerante?
__Só se for bem rapidinho, estou em serviço!
__Não vai demorar um minuto...
Para demonstrar carinho pelo rapaz, dá-lhe o braço, e ambos, agarradinhos, caminham em direção ao bar do seu Bigode. Ainda no caminho, Celso pega uma bala do bolso, abre-a e joga o papel no chão. Um outro gari, vendo o acontecido, grita:
__Ei, a rua não foi feita para lixo! Lixo se joga no lixo!
Ironicamente, Celso responde:
__Você é pago para quê, se não para limpar?
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