Dona Cota é sempre a primeira a chegar, lépida, cabelos pintados recebe a todos com um sonoro bom dia. Logo aparecem os demais. Divino já vem de crachá da loja em que trabalha como vendedor de produtos de borracha, banho tomado. A camisa bem-passada é fruto do trabalho da esposa cuidadosa, sapatos brilhando também. Carlos chega sorridente, ao longe sua filha despede-se pela janela do barraco dando beijo e tchau pai. A brisa é fresca nessa hora do dia, por vezes, gelada. O sol ainda é prematuro. O piso é batido, sem cobertura. O orvalho embranquece a vegetação. Lião, o belo cão de dona Cota, sempre se desprende da coleira para despedir-se e sempre é quase atropelado, mas Deus protege. Júnior, filho do seu Manoel e da dona Joaninha chega cabisbaixo, sonolento, mal-humorado, atrasado pra escola. Adolescente. Depois chega Martinha, nunca sem fumar, tosse soltando o catarro do peito. Rouca, fedida. Em seguida seu Egídio, Camila com o recém-nascido, filha da dona Ângela e Tião cantando alguma música de sucesso. Por último chega dona Margarida, atrasada, esbravejando, pontuando as frases com inferno e diabo. É a alegria do início do dia. Velhinha beirando os setenta, reclama de tudo, até do ar que respira.
Essa gente comum compartilha os mesmos sonhos. São como uma massa uniforme. Representam um percentual alto em quantidade porém de pouca representatividade. Sentem falta quando um não aparece. São como gado manso.
Seis e meia a jibóia branca engole toda essa gente no ponto e vomita no centro. No dia seguinte tudo se repete, sempre do mesmo modo, o tempo parece enfeitiçado. É quase tudo sempre igual na vida dessa gente. Gente humilde, assalariada, sonhadora, sobrevivente. Trabalhadores urbanos.