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Contos-->A história de Chapeuzinho Vermelho segundo o Lobo Mau -- 22/04/2003 - 23:24 (Tobby Teófilo Teobaldo Túlio Tyler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Lembro bem daquela tarde primaveril. Tinha acabado de colocar meu filhote caçula para dormir quando resolvi ir até à Floresta Negra caçar uma lebre para o jantar. Estava fazendo um calor insuportável, o que me fez ir até o rio refrescar-me antes de qualquer coisa.

Já saindo do banho, ouvi, ao longe, uma voz estridente cantarolando uma música chata e repetitiva. Dizia alguma coisa como “levarei doces para minha avó”, e “o lobo mau mora por aqui”. Pensei: quem deve ser essa bobinha que vem aí cantando essa canção não menos boba?

Para minha surpresa, a cantora era, na realidade, uma menina de doze anos, tão bonitinha quanto desentoada. À mão trazia uma cesta coberta com um pano xadrez e repleta de guloseimas. Sobre a cabeça um capuz lilás, e não vermelho como ainda hoje as pessoas teimam em dizer.

Ao passar por mim a menina, embora tenha me visto, nem me deu bola. Ora, onde já se viu tamanha falta de educação? Pelo visto seus pais além de não tomarem conta dela (pois deixaram ir sozinha até a perigosa Floresta Negra), não souberam ensinar-lhe bons modos.

Mesmo assim resolvi acompanhá-la. E o fiz por dois motivos básicos. Primeiro porque a menina do capuz lilás (ou do chapeuzinho vermelho, como queiram) estava a correr sério risco andando por aquela estrada sem nenhum adulto por perto. A região era conhecida por ser o habitat de animais ferozes, principalmente tigres e rinocerontes.

Segundo, e aqui confesso ter sido esta a principal razão, era que o cheiro que exalava da cesta de guloseimas da mocinha tinha algo fora do comum. Imediatamente pensei no meu filhinho, e o quanto ele adorava bolos, tortas, brigadeiros e congêneres.

Não, de forma alguma pensei em fazer alguma coisa contra aquela criaturinha tão indefesa. Se realmente eu quisesse atentar contra a vida de Chapeuzinho teria feito logo ali, à beira da estrada, e não esperava chegar até a casa de sua avó. Nem tampouco ataquei a pobre velha, muito menos a engoli, pois, fisiologicamente isso seria impossível.

Repito: a única coisa que queria era a cestinha de Chapéu, nada mais do que isso. Detesto carne humana. Já a experimentei quando filhote. Lembro-me que meu pai me ofereceu quando houve um incêndio terrível na floresta. O corpo era de um homem que teria morrido asfixiado ao tentar debelar o fogo.

Essa história de que eu teria ficado na cama no lugar da pobre senhora também é um absurdo. Garanto-lhes que da janela eu não passei, ao menos por vontade própria, porque era dali que eu pretendia furtar a cesta logo que as duas se distraíssem um pouco. Assustei-me, entretanto, quando ouvi tiros vindo da região do Lago dos Girassóis. Sentido-me acuado, pulei instintivamente para dentro da casa, a fim de encontrar um cantinho seguro.

Para azar meu, caí exatamente no quarto da vovó, onde ela e sua netinha já estavam também para se proteger de alguma bala perdida. A velhinha ainda colocou sua netinha no guarda-roupa, achando que o local era o mais seguro, para, depois, com muito sacrifício, esconder-se embaixo da cama.

Ah! - pensei, finalmente lá estava a cesta que eu tanto queria. Mais alguns centímetros e eu iria apoderar-me dela, garantindo o meu jantar e de meu filho. Ninguém parecia me deter naquele momento. Ninguém, exceto o caçador que a pouco atirara. Depois fiquei sabendo que ele era um neurótico de guerra, pronto para atacar acaso percebesse algum perigo.

Ao me ver debruçado sobre a cama da Vovó de Chapeuzinho, o caçador não pensou duas vezes. Atirou em minha direção por cinco vezes, acertando-me na pata dianteira da direita de raspão. Para minha alegria o caçador além de maluco era quase cego, deixando o caminho livre para minha fuga. Infelizmente não deu para levar a cestinha comigo. Porém àquela altura já não tinha mais fome, querendo apenas sair vivo daquela enrascada e encontrar o meu filho são e salvo.

Estão vendo? Também não teve essa de caçador abrir minha barriga para tirar a indefesa velhinha de dentro. Juro, de pés juntos, que não toquei num só fio de cabelo da avó ou da neta. Elas duas provavelmente sequer tenham me visto durante o episódio com o caçador. Essa história absurda que vem sendo contada há décadas para as criancinhas do mundo todo é, no mínimo, inverídica.

Deixo aqui o meu protesto de lobo que nunca foi mau na vida. Pelo contrário, que sempre amou a floresta e os animais que nela vivem (principalmente os esquilos e veados, de preferência bem passados). Se há algum personagem ruim nessa fábula, certamente não serei eu. Talvez o malvado da história seja aquele que faz da arma em punho um instrumento de medo e de destruição: o homem.
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