Usina de Letras
Usina de Letras
27 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63224 )
Cartas ( 21349)
Contos (13301)
Cordel (10360)
Crônicas (22579)
Discursos (3248)
Ensaios - (10677)
Erótico (13592)
Frases (51740)
Humor (20177)
Infantil (5602)
Infanto Juvenil (4944)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141306)
Redação (3357)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2442)
Textos Jurídicos (1966)
Textos Religiosos/Sermões (6355)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->FANTASIAS EM COPACABANA -- 02/05/2003 - 08:26 (José Eustáquio Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FANTASIAS EM COPACABANA

É notável como as viagens facilitam nossas fantasias. Um lugar diferente, os ambientes de hotéis e restaurantes, as paisagens, os costumes, etc, são componentes poderosos que alimentam nossos pensamentos, principalmente os fantasiosos.

Há, entretanto, dois tipos de viagens. Um deles se enquadra no que está dito acima, as viagens reais, aquelas que exigem o aprontamento de malas, a espera em aeroportos, "check in" em hotéis, observação de horários, etc. O outro são as viagens virtuais, aquelas que fazemos enquanto o sono não vem, ou quando lemos um texto sugestivo, ou quando apreciamos um quadro bem pintado, ou na solidão máxima do banheiro, ou quando conhecemos alguém interessante, ou quando, deliberadamente, adotamos as "viagens" como refúgio às atribulações do dia-a-dia.

O primeiro tipo não teria seu encanto caso não existisse o segundo. De nada serviriam as novidades físicas - locomoção, esperas, serviços de bordo, novas cidades, etc. - se não tivéssemos a capacidade de, a partir destes estímulos, elaborar nossas fantasias.

O segundo tipo, por força de sua natureza etérea, dispensa os movimentos do primeiro. Se resume apenas e tão somente na capacidade natural de todas as pessoas. É a maior expressão de liberdade. É um dom. Mário Lago declarou com muita propriedade, quando a ditadura militar o libertou do cárcere: "Eles pensam que me prenderam. Ledo engano! Aprisionaram apenas o meu corpo. Nunca tive tanta liberdade de pensamentos". Ele foi capaz de "viajar", e muito, na prisão.

Fisicamente tenho viajado muito pouco nos últimos anos. Na época em que perambular pelo Brasil era parte de meu trabalho eu não soube aproveitar. Apenas me desloquei rapidamente de um lugar a outro, entrei e saí de hotéis, conheci inúmeros "clientes" - não soube conhecer "pessoas" -, cruzei rios e montanhas, percorri planícies e matas, vi tudo de diferente. Era um ir-e-vir constante. Na cabeça, sempre cheia de muitos números e preocupações entendidas como "importantes", não havia lugar para as "viagens".

Ultimamente parece que o destino decidiu inverter a ordem. Raramente preciso sair de São Paulo para cumprir minhas obrigações de trabalho. Contudo, nunca "viajei" tanto. Agora sim, viajo quando quero, escolho meus motivos e percursos, elejo cenários e personagens, seleciono cores, sons e aromas.

Em um dos primeiros sábados do último inverno, num momento em que resolvi dar uma folga aos meus neurônios, busquei recolhimento entre as árvores do jardim do prédio onde moro, acomodando-me em meu banco preferido. Uma nesga de sol que achou passagem entre as copas das árvores banhava todo o meu corpo e oferecia-me um calorzinho delicioso, quase uma carícia. Ali, sentado e quentinho, meus pensamentos voaram, ou melhor, viajaram.

Uma figura de mulher foi localizada e passou a ditar as voltas e contravoltas de meus pensamentos. A "viagem" tornou-se especial. Lembranças antigas, ainda da adolescência, foram chamadas à cena, imiscuíram-se os anseios atuais, os mais diversos desejos afloraram e a fantasia foi ganhando formas, contornos, volume e densidade até que ultrapassou todos os seus limites e avançou pelo território dos sonhos. Em dado momento tive dúvida se "viajava" na fantasia ou se vivia, mesmo desperto, um sonho grandioso e lindo. Não importa. Se foi sonho, continuará sendo. Se foi fantasia, fica promovida à categoria dos sonhos.

Em meu entendimento há uma nítida diferença entre sonho e fantasia. A fantasia nada mais é do que um mero exercício de imaginação, efêmero e volátil, que nos acomete, na maioria das vezes, involuntariamente. Uma música, uma lembrança, uma pintura, uma paisagem, um ruído, a perda do sono, dentre outros acontecimentos fortuitos, são o estímulo de que precisamos para fantasiar. Já o sonho é algo mais palpável e factível. Ele está mais próximo da idealização voluntária, da vontade, do desejo, da esperança, do ideal, do objetivo, da meta, e, como tal, muitas vezes, pode ser realizado.

É com esta visão que me permito guindar, à esfera dos sonhos, toda a fantasia que enlevou-me naquele sábado de inverno.

Em minha cidade, na adolescência, existia um cinema que se constituía na única diversão que tínhamos.

Na época uma produtora brasileira (Atlântica), que só produzia filmes nacionais e invariavelmente comédias, era a principal fornecedora dos cinemas do interior. Os atores eram, quase sempre, os mesmos: Oscarito, Grande Otelo, Renata Fronzi, Odete Lara, Anselmo Duarte, Zezé Macedo, Costinha, Ankito, Norma Benguel e outros dos quais não me lembro neste momento. O cenário, na maioria dos filmes, era o Rio de Janeiro com destaque para a praia de Copacabana. Os enredos eram sempre previsíveis: uma mocinha e um mocinho que se apaixonavam e enfrentavam as dificuldades normais da vida e do amor. A previsibilidade era tal que diante do mero anúncio de um filme, já se sabia que ele mostraria pessoas sós, grupos e casais na praia de Copacabana que poderiam estar bebericando em um dos bares, ou passeando de mãos dadas, ou fazendo ginástica, ou andando de bicicleta, ou exibindo um carro conversível último modelo, ou simplesmente tomando sol.

E eu ficava fascinado por aquilo. Minhas fantasias eram inevitáveis. Pensava eu, na época, que poderia ser a pessoa mais feliz do mundo se conseguisse um dia estar na praia de Copacabana trajando as roupas bonitas dos mocinhos, tomando um uísque em um daqueles bares chiques e cheios de pessoas alegres, ouvindo o Caubi Peixoto ou o Miltinho, ou a Nora Ney, ou a Ângela Maria, ou o Nelson Gonçalves e outros, acompanhado de uma mulher a quem eu amasse. Via-me passeando com ela, mergulhando com ela em um mar que eu só conhecia pelos filmes, exibindo-lhe meu tórax forte e mostrando-lhe o quanto eu nadava bem.

Ela, que estaria extasiada com o meu porte atlético, com minhas habilidades de nadador, com meu sorriso cativante e com meus galanteios, se manteria sentada na praia vestindo um maiô azul (naquele tempo ainda não se usava os biquínis ousados de hoje) e só teria olhos para mim.

Em dado momento eu perceberia que ela estava sendo molestada por um cafajeste mal encarado, igual aqueles que a Atlântica mostrava. Eu ouviria seus chamados de socorro e correria, rápido como o Capitão Marvel, ao seu encontro. Aplicaria meia dúzia de golpes certeiros nas mandíbulas do crápula e o faria ajoelhar-se pedindo-lhe perdão. Ela se levantaria trêmula, abrindo os braços e me abraçaria sussurrando: Meu herói!!!!! Meu herói!!!!!

E a fantasia continuava. Dali para o hotel, um bom banho, um bom jantar e uma indescritível noite de amor. E assim vivi fantasiando por muito tempo, sobre o mesmo tema, com algumas variações.

No sábado de meus sonhos..... não mais de fantasias..... o bar era chique e o uísque de primeira linha. Um conjunto, provavelmente para alimentar ainda mais meus devaneios, tocava músicas dos tempos da Atlântica.

Tentei materializar uma linda mulher de porte graciosamente esguio, postura aristocrática, olhar manso e perscrutador, sorriso discreto e cabelos bem cuidados.

Ela olhava-me com insistência de uma mesa ao fundo.

Alguns casais de namorados trocavam juras de amor em outras mesas. Outros dançavam, agarradinhos. Pela janela do bar era possível ver mais casais que passeavam de mãos dadas na calçada. As luzes de Copacabana nos brindavam a todos com um espetáculo exclusivo, realçado pela espuma brilhante das ondas que se quebravam preguiçosas na areia.

A figura de mulher na mesa ao fundo ia, aos poucos, se tornando mais nítida. Não resisti e a convidei para dançar.

- Você por aqui!?!?!? Que coincidência incrível, não é verdade? - Eu disse.

- Realmente, Eustáquio! Quem diria que nos encontraríamos aqui no Rio e justamente neste lugar? - Ela respondeu.

- Em que hotel você se hospedou? Perguntei.

- Estou no Meridian, e você?

- Eu também! - Respondi com uma indisfarçável alegria.

Nos olhamos longa e profundamente. As palavras já não eram tão necessárias.

Apertamos mais nosso abraço, colamos nossos rostos e começamos a dançar. Era como se flutuássemos ao som da voz suave de uma cantora que imitava Nora Ney à perfeição. Após algum tempo dançando, entre olhares e sorrisos de cumplicidade a conduzi à minha mesa, escolhemos o vinho e jantamos devagar.

As músicas pareciam estar acumpliciadas com nosso enlevo.

Já era madrugada quando decidimos voltar ao hotel. Mãos dadas, descontraídos, despreocupados e felizes, fomos caminhando pela calçada. Passamos por bares ainda repletos de pessoas que cantavam e sorriam. A brisa fresca era acariciante e refrescava-nos naquela noite quente e linda. As estrelas do céu eram tantas que davam a impressão de que haviam procriado. O movimento do mar calmo fazia dançar os reflexos coloridos dos neons oferecendo-nos um espetáculo de rara beleza.

Chagamos ao hotel. Um recepcionista sonolento passou-me a chave de meu apartamento. Tomamos o elevador. Mal a porta se fechou, aconteceu o primeiro beijo. Foi um beijo forte, demorado, úmido, sôfrego, ambicioso, ávido. A porta do elevador abriu-se........................................................................................................ ..................................................................................................................................................................Não me atrevo a escrever a seqüência. Viajei em intimidades tais que não conseguiria narrá-las sem correr o risco de ser entendido, por leitores mais pudicos, como adepto da vulgaridade. Acho melhor que as reticências sejam preenchidas segundo as fantasias e o grau de pudicidade de cada leitor(a).

Quando deixei o meu banco de jardim já trazia comigo três decisões, a saber: escrever esta fantasia, transformá-la em sonho e, nesta condição, tentar realizá-lo.

A primeira decisão, a de escrever, bem ou mal, está cumprida.

A segunda, a de transformá-la em sonho, foi instintiva, não condicionada e irrenunciável.

A terceira, a de tornar realidade o sonho, poderá ficar apenas no campo da tentativa. Mas, estou disposto a não desistir facilmente.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui