(AVISO: Tenham mais um pouco de paciência – este é o ante penúltimo “pedaço”. Quem agüentar até o fim concorre a um Mercedes Benz, sedam preto, de luxo, modelo diplomata, importado. Tá bem?)
CAPITULO III
Padre Jesuíno e Eulália saíram do quarto e ao passar pela sala, a moça deu uma relanceada pela casa de alvenaria; o telhado bom, de telhas vermelhas, o chão de tijolos, a boa mesa, as cadeiras de palha. Chegou à porta da cozinha, toda cimentada, com seu fogão à lenha, suas prateleiras bem feitas, as canecas de alumínio, o lampião a querosene e se embasbacou: uma riqueza!
Com a partida do padre, Eulália ficou sozinha para zelar por aquele estranho – seu marido! Caminhou para junto da rede e olhou-o de perto: a barba cobria-lhe o queixo, especada pelo pescoço; o cabelo molhado de suor grudava-se na testa larga. Ela foi até a janela e abriu um pouquinho, para ver melhor.
Hum... – pensou - que droga de marido! Mais morto que vivo, mais sujo que chaminé e fede como gambá.
Que belo marido o padre me deu...
Tornou a fechar a janela para evitar corrente de ar e, a passos suaves, se dirigiu à cozinha. Não teve dificuldade de acender o fogo, colocou a chaleira d’água para esquentar e voltou ao quarto do doente. Fuçou as suas roupas, encardidas mas limpas, guardadas em um baú, e separou uma camisa e um par de calças. Dai a pouco, de toalha, sabão e esfregão em punho, se dedicava a banhar Zé Maria que, entregue à febre e à inconsciência, gemia e dizia coisas sem nexo.
Ainda bem – pensava Eulália - quando ele acordar da doença, vai estar limpo e não passou vergonha...
Sentia o desagradável contato da pele escaldante, asfixiava-se com o cheiro ardido de suor que todo o corpo do homem exalava e era-lhe difícil suportar o bafo, carregado de mau hálito daquela boca que se abria em ais. Percorria com o trapo de toalha, que lhe servia de esfregão, os braços sem vida, o pescoço grosso, o peito amplo de pele tostada. Ia lavando e enxugando; dentro em pouco lutava para vesti-lo pois era grande o contraste de tamanho dos dois. A rede flexível ajudava na empreitada. À medida que o arrumava, que o sentia limpo e apresentável, foi-se enchendo de orgulho pelo trabalho executado.
Até que num é feio... – analisou – tá é judiado pela doença e, se ele vai sê meu, mesmo, eu ponho ele a meu gosto...
Eulália não viu o tempo passar, mergulhou na faxina da casa, nos cuidados com o doente, na luta para dar-lhe os remédios. Com o cair da noite, armou a sua rede ao lado da dele e, deixando o candeeiro aceso, procurou descansar da trabalheira. Seu corpo todo doía e as solas dos pés ardiam como se tivessem pisado em brasas. Na rede vizinha os gemidos haviam cessado e um ressonar tranqüilo vinha de lá.
Eulália custou a adormecer. Acordou assustada com o ruído dos animais a pediram comida, famintos que andavam, desde que Zé Maria adoecera de fato. De pronto ela se ergueu e, satisfeita com a calma que ainda embalava o sono do marido, foi tratar da nova vida.
Os animais alimentados, o terreiro varrido, a casa em ordem, as panelas chiando gostoso na cozinha, ela se dirigiu com uma caneca de leite de cabra para o quarto. Encontrou um par de olhos pisados, intrigados, no rosto de Zé Maria. “São amarelos os olhos dele!” Notou com admiração. No rosto de Eulália o riso espontâneo e quase infantil voltou a morar.
- Truxe o leite para o senhor. Truxe cuscuz também. Padre Jesuíno envém e vai querê dizê que o senhor tá cum a cara boa...
Sem mais delongas, foi quebrando, dentro do leite, pedacinhos do bolo amarelo e apetitoso e, com uma colher, ia pondo bocados na boca de Zé Maria que, de espanto, facilmente a mantinha aberta. Terminada a refeição ela lhe disse;
- O senhor volte a dormir agora, pra comida fazê bem – e saiu tão espontaneamente como havia entrado.
Com o estômago reforçado, as forças retemperadas, Zé Maria voltou a fechar os olhos; sonhou sonhos bonitos.