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Contos-->Enterrado Vivo -- 28/06/2003 - 18:14 (Juraci de Oliveira Chaves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


- Ele está suando!!! Transpira por todos os poros!!! - Gritava uma voz rouca entrecortada por soluços melancólicos, rompendo o silêncio...
A princípio ninguém se interessou pelo significado daquelas palavras mas, quando a viúva repetiu estridentemente: - Vejam ! Ele está suando! Nunca vi morto suar... chamem um médico por favor!...
A possibilidade do médico haver se enganado, despertou em dona Lucíola uma remota esperança, do marido não estar morto e sim desmaiado ou em coma.
A curiosidade das pessoas que estavam no velório ocasionou um certo tumulto no recinto. Da sala contígua vinham gritos de pessoas aglomeradas, assustadas e trêmulas, umas agarradas às outras, aumentando mais a confusão.
Mesmo sem credibilidade, todos queriam ter a confirmação das palavras daquela pobre senhora que perdera o marido, tão inesperadamente. É certo, sempre estava às voltas com a solicitação de visitas médicas em casa, não esperava que o companheiro a deixasse sozinha logo agora que estavam com excursão programada para Aparecida do Norte, promessa e sonho dele.
O tumulto foi tamanho, cada um querendo tirar suas próprias conclusões e, sem propósito nenhum, alguém empurrou um dos cavaletes que sustentava o caixão, levando o falecido ao chão. A maioria das pessoas correu para a porta de saída, acreditando que o morto havia ressuscitado. Foi um salve-se quem puder.
Pelas ruas da cidade, o boato corria de boca em boca, até chegar à rádio local com a entrevista de dona Cármem, que saíra do velório, apavorada e sem a confirmação da veracidade dos fatos. Falava com tanta convicção que a mensagem convidando para o enterro fora suspensa, apesar das insistentes perguntas do repórter Lilico: - Que história é essa dona Cármem? O morto não estava morto? – Não estava Lilico. Corri como uma alucinada quando presenciei aquela cena. O caixão descendo para o chão ao som dos gritos do acode-acode de alguns que o ladeavam. Muitos correram para a porta de saída que ficou estreita apesar de ser tão larga mas, saí ilesa. Outros caíram sobre o assoalho sendo até pisoteados. Nunca vi tanta confusão...
- Então teremos que mudar o teor da mensagem sobre o enterro? Que situação! Noticiando o enterro de gente viva! Lamentou o repórter.
- Ah, Lilico... É bom esperar a família se manifestar; acredito que
não virão antes de processar o médico que forneceu atestado de óbito, falso. É sabido que o Dr. Luís nunca cometeu um erro médico mas, quem é humano um dia...
O repórter, andava para lá e para cá sem saber o que fazer, soltando baforadas com o um cigarro entre os dedos e o celular colado ao ouvido, à procura do diretor para receber as instruções necessárias. Transpirava mesmo estando o tempo frio. Era um prato cheio para a emissora concorrente, explorar o erro neste episódio. De vez em quando, com olhar esbugalhado, ficava parado, como um poste, à frente da mensageira, como se tivesse duvidando de suas palavras.
- Olhe Lilico, eu não estou contando lorotas, é a pura verdade...
Dona Cármem começou a chorar convulsivamente deixando o rapaz ainda mais embaraçado. Sem saber como ajudar naquela explosão de sentimentos, há horas represados, ofereceu-lhe água e uma cadeira para assentar dizendo:
- Vou apanhar minha maleta de trabalho, dou-lhe uma carona para sua casa e observarei in loco esse caso, para atualizar a mensagem que estamos veiculando. Não quero mal-entendidos, ainda mais em se tratando do Sr. Cardoso, homem ilustre da cidade que tanto trabalhou para os mais humildes, quando prefeito.

Minutos depois tudo voltara à normalidade, causando estranheza a alguns senhores ao recolocarem o corpo na urna; perceberam que estava sem aquela rigidez natural em qualquer pessoa morta. Um olhava para o outro com espanto. Falavam só com olhares para não aumentar ainda mais as suspeitas incontidas em todos.
O repórter, muito atento, observava esse comunicar silencioso e também tirava suas conclusões. Percebera que havia algo diferente naquele defunto. Fixava o olhar no semblante deste e parecia vê-lo mexer com os cílios. "Será que estou ficando doido? Morto piscar? " A sua atenção fora desviada para a agitação provocada pela chegada do médico que, silenciosamente, após exames minuciosos, ratificou o atestado de óbito.

O sol já se despedia da terra com seus últimos raios no horizonte quando o féretro lentamente se dirigia ao Parque da Saudade. A fila de carros atravessava as avenidas recebendo os olhares curiosos das pessoas que por um ou outro motivo não estavam no cortejo.
A terra vermelha transformada em lama pela água da chuva torrencial que caíra na hora do angelus, grudava nos solados dos sapatos das pessoas. As poças d água dificultavam os transeuntes a realizarem o último dever de cristão para com o Sr. Cardoso, que tanto ajudou os moradores da pequena cidade ribeirinha. Um enorme museu com as carrancas do São Francisco o imortalizou.

A multidão não se aborreceu com a chuva que começou a cair pausadamente em frágeis gotas, lacrimejando talvez, aliando-se à brisa fria que aumentava a cada instante. Uns atribuíam a vinda da chuva, ao falecido ínclito. Nunca foi vista tanta gente num enterro, depois da polêmica gerada e veiculada pela emissora da cidade.
A urna foi descendo devagarinho, devagarinho, como se não quisesse ir...
Neste deixa-eu-ver e naquele empurra-empurra, a Srta. Carmélia, amicíssima da família enlutada, professora renomada, já de cabelos brancos, inconformada com a morte, foi se afastando não percebendo atrás de si, outras covas abertas. Caiu de costas dentro de uma delas que acumulava água da enxurrada violenta.
Leitor amigo, você pode imaginar a terrível cena. Uma concentração e muita gritaria. Cada um querendo ajudar, só atrapalhava. Entrar numa cova para socorrer alguém desmaiado e não machucar esse alguém?
Demorou mais do que o necessário, mas a moça foi retirada de dentro da sepultura. Realizados os primeiros socorros, seria levada ao HPS para exames de praxe. Como estava pálida e trêmula!... Os cabelos com fios prateados já não eram mais prateados e a cor barrenta rejuvenesceu-a causando inveja à mais famosa marca de tintura para cabelos. A água turva corria pela sua face juntando-se às lágrimas que tomavam o chão, misturavam-se com a lama sob os seus pés encharcados , que mal sustentava o corpo com as curvas à mostra.
As línguas ferinas já comentavam: - mau sinal. Vai morrer alguém da família e não vai demorar ...
Ò quão ingratas estas más línguas!...

Sete dias depois era feito o enterro da mãe da pobre Carmélia. Não resistiu às conseqüências de um fatal derrame cerebral .
Era também a visita de covas de Sr. Cardoso. Os visitantes perceberam que a terra do túmulo estava toda trincada e abaixara muito o nível normal de um recém-enterrado.
Ninguém arredava o pé do lugar, aguardando a chegada da polícia que fora solicitada por um edil que se encontrava presente.
Sem muita delonga, a polícia chegou com a autorização para fazer nova perícia, com os peritos da UNIJOC para calar os exagerados boateiros.
Silêncio profundo!...
As pás provocavam um estalar na terra parecendo estalos de espoletas. Os familiares, principalmente dona Lucíola, alertavam os coveiros para não machucarem o corpo do fétido marido. Os olhares assustados procuravam com ansiedade as respostas para suas perguntas.
E lá estava...
No fundo da sepultura todo marcado pelos arranhões à procura de um pouco de ar e acreditem leitores, de bruços.
O clamor foi geral mas, não havia mais nada a fazer...
O flash das máquinas fotográficas registravam o acontecido.
Estampado, no dia seguinte, nas primeiras páginas dos jornais: "Enterrado Vivo".

Juraci de Oliveira Chaves
www.jurainverso.kit.net
Pirapora MG
juraci@interpira.com.br


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