A peste chegou de surpresa e quando todos imaginavam estar sãos, quase pereceram de uma doença quase implacável. A população da cidade mudou seus hábitos. Recuaram de suas habilidades de tal maneira que num período de semanas praticamente esqueceram de suas origens e identidade. Nos momentos mais anestesiados, sequer olhavam uns para os outros e sentiam-se despersonalizados, num raro e ignóbil prazer. Passavam o tempo olhando estrelas ou solapando os grãos da terra vermelha em que pisavam. Essa gente bem que poderia ter perecido, tamanha cegueira que a tal peste havia-lhes inseridos. Desfilavam suas doenças de maneira paciente, sempre as exibindo para que todos pudessem se infectar. Era tal o intento da promiscuidade que muitos gastaram seus findos tostões em espelhos repletos de ornamentos e ínfimos detalhes. Aquela padronagem toda, porém, fez dos espelhos algo obsoleto e estimulou muita gente a segui-la religiosamente e sistematicamente. O medo derrota a originalidade quando a pertinácia da preguiça oprime a beleza da criatividade. O âmago do medo está nas catacumbas da alma e é despertado quando a ignorância e ambição celebram suas partilhas. O medo é uma peste.