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Contos-->OS FILHOS DE LAICOS E LAGEL -- 30/07/2003 - 10:59 (Airo Zamoner) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
© Airo Zamoner

Laicos e Lagel confrontavam-se há muito tempo. Todos, na pequena cidade enrustida entre morros despidos, desconfiavam que um dia o duelo seria mortal. A verdade é que viveram quietos por muito tempo, cada um em seu canto, cumprindo suas tarefas. Mas isto não persistiria para sempre.
Conheceram-se pessoalmente numa tarde de inverno. Desconfiados um do outro, conversaram até com certa harmonia fraterna. Lagel mostrou certa resistência sobre as idéias de Laicos.
Laicos era instável, ansioso, inconformado com a rigidez de Lagel. Havia em seus olhos um sentimento de injustiça crônica. Lagel, ao contrário, era tranqüilo, seguro e tinha orgulho de sua tarefa. Laicos tinha sempre um sentimento de vazio imenso, de missão não cumprida, de obstáculos que precisava transpor a qualquer custo.
Depois, exaustos de discussões intermináveis, cada um voltou para seu canto. Lagel ouvia falar de Laicos através de suas aparições nos jornais locais e até na mídia nacional.
Certa vez, ouviu uma entrevista com ele e temeu por sua própria segurança. Laicos acusou abertamente Lagel de impedir o progresso de suas idéias em benefício do povo. Em tom ameaçador, dissera que para seu bem e de sua causa, não se importaria em passar por cima de Lagel.
A entrevista causou grande agitação na pequena cidade. Todos aguardavam apreensivos a reação. Lagel se mantinha calado. Recusou-se a aparecer naqueles dias. Preferia esperar que as emoções esfriassem. E essa era outra grande diferença entre os dois. Lagel era frio, seguro de si, parecia não ter coração. Laicos, ao contrário, era quente, arrebatador, emotivo, tinha um coração que pulava exposto para todos. Transitava do choro convulsivo à raiva descontrolada em poucos segundos. Foi assim que Lagel esperou que tudo se esfriasse. Parecia ter ignorado as evidentes ameaças de Laicos. Se o povo fosse consultado, constatar-se-ia o empate entre Laicos e Lagel.
Nas escolas da região, os alunos interpelavam os professores sobre aquela briga. O professor de história resolveu fazer uma palestra e a cidade inteira compareceu. Revelou conhecer muito bem os dois e seus ancestrais. Entre razões e culpas todos queriam saber quem apareceu primeiro, Lagel ou Laicos, Laicos ou Lagel. Descobrir este detalhe parecia crucial para encontrar uma tendência. O professor foi direto. Nasceram juntos. São irmãos gêmeos.
A informação caiu inesperavelmente surda, ricochetando ecos maliciosos nas paredes insensíveis. O ensaio de tumulto abortou-se com a explicação didática da importância de cada um, da necessidade imperiosa da reconciliação. Comprometeu-se, o palestrante, a marcar um encontro com os dois e até concordou que a conversa fosse pública. Mas advertiu com certo rigor. Nesta briga, se qualquer um dos dois for derrotado, todos nós perderemos. Pediram explicações sobre as conseqüências de um caso e de outro. O professor respondeu em poucas palavras e o silêncio absoluto despencou sobre a platéia. Silêncio de perplexidade, medo, insegurança. Alguém rompeu a crise. Levantou-se no meio do vazio teimoso e saiu. Outro seguiu seu exemplo e aos poucos todos se foram sem dizer sílaba.
Nos jornais do dia seguinte, a primeira página nada escondia. Lá estava bem claro. Se Laicos perder, a miséria se expandirá raivosa destruindo a história e a desordem será o imperador do povo e o povo morrerá. Se Lagel perder, a anarquia e a injustiça destruirão a história e a desordem também será o imperador do povo e o povo morrerá.
Enquanto isso, Lagel antes calmo e equilibrado, perdia aos poucos sua fleugma, percebendo Laicos se juntar a espertalhões da hora para sobreviver a Lagel a qualquer custo.
Lagel viu com tristeza imensa Laicos ser utilizado, manipulado, enganado e empurrado para uma luta desleal, mortal e fraticida.
A esperança de que Lagel e Laicos poderiam restabelecer a harmonia e salvar o povo da morte se esvaia dia a dia. Meditando sobre o significado de seus nomes invertidos, sentiam que a única salvação estava em outra esperança: os filhos de Laicos e Lagel.

Airo Zamoner é escritor
airo@protexto.com.br

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