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Contos-->Despedida bem romântica -- 22/09/2000 - 20:40 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Assim: você tem algo que confunde, você se enrola em seus papéis, e afinal quando você é só você? (Sorri: sou só eu o tempo todo!). Senti uma certa decepção com a resposta, que veio, sim, mas com um repuxo de boca que não estava no script. Um ar de incompetência no ser única. Sou sempre uma só de cada vez, só não sei direito onde estou enquanto isso, dá para entender? Ele não responde. Não é este seu papel. Neste momento o papel dele é entrevistar aquele rosto que se esconde atrás de tamanha beleza. Deve indagar um mundo de cobranças – que na verdade só tem a perguntar cobranças - porque é assim mesmo. Estão ali, os dois, sob refletores e cabos mil, e a única certeza que tem é do cenário que, de alguma forma, o completa, embora ele não saiba se ele, mesmo, em pessoa, está ali. Mas deve cumprir seu papel e perguntar, apunhalar, chuchar a ferida. Pelo cheiro de borracha e de gelo seco, não tem dúvida: está ali para entrevistar alguma celebridade, só pode. Mas onde estará aquele último cigarro de fundo de bolso? Foi jogar fora a embalagem e o bicho criou asas, isso sempre acontece. Também quem vê um cigarro desprotegido, ao léu, num fundo de bolso, fará algum uso dele. Até por caridade. Que esta vida tem lá uns castigos. Verdade seja dita: ele não fuma. Porque não sabe tragar, não consegue, ou sei lá. O fato é: ele não fuma. Então por que o cigarro, o último? Onde os outros? Ninguém nunca soube, também ninguém jamais lhe perguntou. E se perguntassem? Se. Então, deixa para lá. O negócio é que, apesar de saber, dentro de seu real, quem a moça é, sabe que ela é só uma máscara inteiriça em cima do corpo. Em contrapartida, ele está plantado ali, tem raízes, e não é o filho de ninguém, o companheiro de ninguém, o irmão de ninguém, o parente de ninguém, o amigo íntimo de ninguém, o ex-namorado de ninguém, o pai de ninguém, etecétera. Ele está vestido para ser entrevistador, e pronto. Ela faz cara de estrela, tem cabelo de estrela, até com aquele brilho intenso de mechas de ouro que se misturam ao preto normal dos fios sedosos de comercial de xampu – Já fez algum comercial de xampu? --, que só as estrelas brilham. Ela responde com boca de estrela e quando fala tem hálito de lavanda: - Agora você me ofendeu . Ela é daquelas higiênicas, bem se vê. Mas ele deve dirigi-la, senão ela perde a trilha e despenca. Ele deve dizer-lhe que não é assim que se faz, não é assim que se representa, representar é ser o que se é, a melhor representação é esta: como sou quando sofro? Ele se lembra da dificuldade da vida que faz a pessoa crescer. Como diz o outro, é preciso pular muros baixos, escalar os altos, para depois mergulhar na lama, tudo isso um exercício de perda da inocência para, depois, conquistar o direito de ser adulto. É assim que se faz, é assim que se é. Tanta coisa já passou, mas ele não confia em borrachas, que as dele têm cismas de não apagar, antes borram a escrita, camuflando o que ele sente. Não bastasse, ainda por cima mentem, ah, como mentem! Ela sorri com covinha no canto da boca. Ela está de batom. E o batom dela deve ser desses caros, porque é uma boca tão diferente aquela! Será a luz? Gente desse jeito, brinca com as luminescências, faz barba, bigode e cabelo de tudo o que vem para engrandecer-lhe a graça. Tudo realça algum dote com que a natureza lhe favoreceu. Dá vontade de cair no erro de ousar a tolice: por que é assim, meu Deus? Por que por quê? Porque sim, já dizia o menino de pirulito colorido na boca. Ela fala fácil, é melíflua, ele admira isso nela, chega ao ponto de invejá-la, ele, que, secretamente, como todo homem, fantasia: como eu ficaria, travestido com um bom modelito de poás? Uma gracinha! – responde ela. Mas qual terá sido a pergunta que fiz? - já não se lembra. Aquele lencinho no pescoço dela pensa que me engana. Lenço que se preze não se amarra no pescoço para enfeitar, mas para esconder alguma falha estrutural, todo mundo sabe disso. E o que este esconde? Um grito. Ela adoça a voz com a lavanda para tapear, mas lá dentro o grito nocauteado espera a hora do arrebento. Ele nem sabe se está ali mesmo é para perguntar, e agora uma dúvida o surpreende: ele está paquerando a menina? Deve estar, pois é desse jeito que um homem e uma mulher conversam. Assim: primeiro se cavoucam, depois semeiam grãos de uma planta carnívora. É assim que fazem. E estarão diante de aparelhos de televisão quando fazem assim, e terão diante de si incontáveis espelhos para ensaiar novos jeitos. É quando um copo caindo da mão e se estilhaçando vira um pecado mortal. A quebra do momento. E ninguém sabe mais onde parou. E, no abaixar para catar os cacos, esquecem-se das perucas e dos cílios postiços. Despenca tudo junto – alma, gestos, currículo. E, quando se levantam, alguns se entreolham, porque ainda se conservam humildes. Outros não arriscam, e se retiram, um para um canto, outro para o nunca mais. Se separam para sempre. Para sempre. Para sempre. Entenda-se aqui milhões de para sempre, que é uma das poucas oportunidades de se usar essa expressão. Para sempre. Ou para nunca mais (tanto faz).
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