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Contos-->Crônica -- 04/09/2003 - 23:40 (Berenaldo Ferreira e Séia Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Preto e Marrom


de: Berenaldo Ferreira


Foi atribuída à professora Sara sua primeira sala de aula com quinze crianças cujas idades oscilavam entre cinco e seis anos.
Precisamente de cada trinta dias era necessário constar no prontuário de classe um relatório que a professora da sala tinha que elaborá-lo. Além de outros assuntos, nele teria que aparecer todo o desenvolvimento do aluno; os passos dados pela professora e todas as observações pertinentes do corpo disciplinar eram criteriosamente necessários e analisados pelo Conselho que era composto pelos professores, a coordenadora e a diretora, a fim de aquilo julgado de maior inquietação, fosse levado em pauta à Reunião de Pais e Mestres, já que uma das normas daquela Escola de Educação Infantil “Arquinho Doce”, visava ao encontro de pais e professores mensalmente, diferenciando dessa forma, de outras escolas que faziam tal encontro, bimestralmente.
Logo no segundo mês de aula, a professora Sara, bastante intrigada, não conseguia compreender muito bem por que o Lima, ou “Liminha”, como era carinhosamente chamado por ela, somente pintava seus desenhos com as “cores” preta e marrom. Ela já vinha observando esse interesse exagerado e obcecado dele por tais cores desde cedo, isto é, a partir da terceira semana de aula. Pois, era proposto aos alunos a tarefa de pintura pelo menos uma vez semanalmente.

“Liminha” era demais introvertido - franzino e resignado. Redesenhava seu próprio desenho para ter que pintá-lo de preto e marrom, mais uma vez. Pareciam-lhe serem as cores mais formidáveis e belas. Preto e Marrom!
Incompreendida e discretamente, a professora Sara insinuou em seu relatório que talvez o “Liminha” sofresse de preconceito provocado por sua própria cor que era negra; pensou e discutiu com suas colegas até na possibilidade de fazer com que seus pais aceitassem a idéia de encaminhá-lo ao psicólogo da Escola. Este fato era o que mais incomodava a todos, fazendo com que os responsáveis pelo bom funcionamento escolar ficassem em sobressaltos e ansiosos em chegar a uma saída para aquele problema que tanto os angustiava. Eles teriam que chegar a uma conclusão definitiva e imediata, pois faltavam apenas dois dias para o encerramento do mês e o relatório da classe do “Liminha” ainda não estava definido.
A Segunda R.P.M estava prestes a acontecer e, a professora Sara continuava encolerizada juntamente com alguns professores, sem obter, no entanto uma saída para o caso “Liminha”. Foi quando, após uns minutos de reflexão na situação, seus colegas-professores em conjunto com a diretora, sugeriram à professora que fosse melhor fazer uma convocação especial de aula, exclusivamente para a sala do “Liminha”, já que as aulas naquele dia tinha sido suspensa para o conselho de classe.
Proporam-na que ela trabalhasse novamente a mesma tarefa juntamente com os alunos e, com a espontânea ajuda oferecida pela Coordenadora D. Lia, observariam seu comportamento com maiores cuidados.
A espontaneidade e interesse da coordenadora em acompanhar o “caso”, brotou da curiosidade que ela teve em reler o relatório de sala do Lima, referente ao mês anterior, observando algumas inferências e suspeitas à respeito do “Liminha”. Entre outros relatos, apareceu-lhe dois parágrafos que mais chamaram a sua atenção:

...”Assim, o Lima Santos, mais uma vez ficou sem comer seu danoninho, pois algum de seus amiguinhos, maiores do que ele, o subtraíra de sua mochila.”
“ Ao pedir para eles pegarem os lápis de cor no interior do cesto, o “Liminha” pegou novamente os lápis preto e marrom.”

Baseando-se nesses dois parágrafos, a coordenadora pedagógica D. Lia, bastante experiente e astuciosa, parecia já desvendar aquele mistério que tanto rondava e assolava a todos; em conjunto com a professora Sara que a acompanhou nesses passos e, concordando com a conclusão alcançada por ela, ambos seguiram para a sala de aula entusiasticamente, para que finalmente fosse comprovada as suas suspeitas diante daquele mistério.
A professora Sara não duvidou. Disse à classe que eles fariam mais uma vez, naquela semana, pintura de desenhos. Euforicamente, a classe toda se animou, invocando alegria, entusiasmo e dinamismo, pois as aulas de desenhos, pintura e colagem eram as que mais os atraíam.
Rapidamente todos foram ao cesto que a professora sempre o ajeitava em cima de sua mesa. Em seu interior haviam diversos e repetidos lápis de cor.
Para surpresa, espanto e alívio das colegas da professora e da coordenadora, souberam comprovadamente, de que “Liminha” não possuía trauma algum em relação a cor de sua pele, pois somente pegava os lápis de “cores” preto e marrom, pelo fato de seus amiguinhos não lhe deixarem outra alternativa, já que eles eram maiores e mais avantajados, fazendo-no ser o último a pegar os lápis. Sobrando dessa forma, apenas os de “cores” preto e marrom. Parecia que nenhum deles gostavam dessas “cores”, exceto o pobre “Liminha”.


12/07/99
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