Quase todos os passageiros estão acomodados em seus lugares.
O ônibus vai dar partida, do Terminal Rodoviário de Maceió, com destino a Recife.
Entra uma mulher de uns 30 anos, grávida,
Acompanhada de uma criança pequena.
Traz consigo uma bolsa, sacola e sacos plásticos cheios.
Procura sua poltrona e a acha ao lado de um senhor
De óculos, sisudo e ar vago, que imaginava viajar espaçosamente ocupando as duas poltronas.
A mulher procura acomodar-se na poltrona de número 28, com dificuldades,
E tenta arrumar uma das sacolas no bagageiro acima das poltronas...
Seu vizinho percebe que há no seu interior garrafas de refrigerante já em uso e outros
Lanches.
Antecipando-se a um possível acidente (imaginou-se cochilando e acordando assustado, molhado de refrigerante...) o homem sugere a mulher trocarem de lugar para que a mesma acomode sua sacola no piso, apoiada à lateral do ônibus.
A mulher torna-se agradecida e retribui-lhe o gesto com diálogos curtos e freqüentes.
O homem, introspectivo, responde monossilábico às indagações da mulher, tipo:
- O senhor é daqui?
- Sou...
- Eu sou do Recife...Vou ter neném depois de amanhã...
- Ah! Sim.
A rodo-moça aproxima-se, dirige-se ao homem como se ele fosse o chefe da família e oferece-lhe os serviços de bordo. Ele além de sisudo, fica meio sem jeito...
A mulher continua a falar:
- Esse motorista é um chato, briguei com ele outro dia...Pedi prá parar num local melhor para eu descer, era de noite, e só o fez próximo ao CEASA, local escuro e esquisito, eu com minha filha e cheia de bolsas, xinguei tanto ele que chorei de raiva...Maceió é muito diferente de Recife...aqui tudo é difícil e desorganizado!
- O homem continuava calado...dividia a atenção à conversa e à leitura da sua revista; ora fazia um ar de riso, ora fazia um aceno com a cabeça, não discordava nem polemizava, pois no fundo morria de medo de dar maior atenção e a mulher se inspirar e botar mais conversa prá fora...
Assim que o ônibus deu partida, o passageiro da frente, que estava na cadeira em frente à da mulher, vira-se e dirige-se ao homem, informando-lhe que vai inclinar a sua cadeira, o que poderia machucar a sua suposta filha que se encontra no colo da mãe grávida. O homem no início não entendeu, pediu para repetir, perguntando-se porque o aviso lhe foi dado e não à mãe da criança...Depois lembrou do diálogo da rodo-moça e compreendeu que estava mais uma vez sendo confundido com o pai da criança porque estava sentado ao lado de uma mulher grávida acompanhada da sua filha.
A viagem transcorre. A criança após curtos diálogos com a mãe, consegue dormir, apoiando-se com dificuldade no seu colo pouco espaçoso devido a barriga de 9 meses . O homem continua lendo sua revista, entre uma resposta à sua vizinha e um comentário; até que chega o sono e também cochila. Pouco tempo depois, acorda sobressaltado ao ouvir o seguinte comentário de um passageiro que levantou para ir ao banheiro: o amor é lindo! Que casal de pombinhos! Pensou logo, estou dormindo apoiado no ombro da mulher grávida com a criança no colo ou ela cochila no meu ombro... Ao acordar, vê que se enganara, a mulher e a criança dormem normalmente e o casal ao qual o passageiro se referia era o que estava sentado ao lado, que se encontrava trocando carinhos!
Pouco tempo depois acordam juntas filha e mãe. A criança pede lanche à mãe, que sorridente e entre uma conversa e outra faz propaganda de uma torta de banana que traz num depósito. Retira-a e oferece insistentemente ao homem que inicialmente recusa e agradece. Depois de tanta insistência, observa a mulher já com um garfo estendido e desculpando-se por não ter guardanapos ( a torta estava meio esfarelada! ) aceita e estende a mão, pegando um pequeno pedaço de torta que o coloca rapidamente na boca, antes que caísse sobre sua roupa. Arrepende-se logo da rapidez, pois a mulher achou que ele gostou e colocou mais um pedaço, dessa vez bem maior e apiladinho, ficando grudado entre o garfo e sua mão, precisando ser raspado com o dedo para desgrudar do garfo. A torta nem era tão boa assim...O homem levanta-se rapidamente, antes que a mulher lhe dê mais torta, agradece e diz que vai lavar as mão (engorduradas) no toalete!
O ônibus chega a Recife e a mulher desce numa parada antes da rodoviária, onde sua família a esperava. Com tanta bagagem, quase esquece uma sacola no bagageiro superior... O homem percebe e a avisa! E continua os últimos minutos da sua viagem pensando: a companhia fora menos ruim do que supusera quando se assustou ao ver a mulher com tanto objeto, a criança e a barriga grande. Cada pessoa tem seu jeito de ser, inclusive aquela simples mulher...nem tudo que aparenta, é; já que fora confundido com o marido da mulher só porque estava sentado ao seu lado ...o agradecimento é algo expontâneo na vida de uma pessoa, a mulher agira assim. Importamo-nos mais do que devemos com o que os outros pensam...