O ASSALTO
Era domingo. E como todos os domingos nos últimos anos, Josué foi se arrumar para ir à Igreja. Desde que se tornara crente, seguia esse mesmo ritual. Tomou um banho e vestiu a melhor roupa; pois achava que deveria apresentar sempre bem vestido na casa do Senhor.
Era seis e meia e começava a escurecer. Antes de sair porém, como sempre fazia, despediu da mãe com um carinhoso beijo na face.
O pai dormia no sofá. Havia chegado da rua bêbedo momentos antes e caíra ali mesmo no sofá da sala. No entanto, ele despediu do pai com um “até mais tarde, pai!” sem esperar a resposta. O pai não o ouviria mesmo!
Josué era um rapaz pobre, muito simples. Quase sempre não tinha dinheiro no bolso. O pouco que ganhava como ajudante de pintor, ele ajudava nas despesas da casa e pagava a prestação da máquina de lavar que dera a mãe de presente. Contudo, a sua fé fazia dele um rapaz feliz.
A Igreja não era longe de casa; cerca quatro quadras depois. Mas gostava de ir mais cedo para não ficar de pé; sabia que aos domingos a igreja estava lotada.
Diante do portão de casa, levou a mão ao bolso para ter certeza de que não esquecera a carteira e os documentos. Olhou no interior da mesma para trazia uma nota de cinco reais. Era sua parte do dízimo. Vez ou outra fazia o sacrifício para as obras do Senhor.
O tempo estava chuvoso. Durante o dia caíra uma chuva fina, mas naquele momento a chuva havia parado. Mesmo assim, a rua estava deserta, como se as pessoas optassem por ficar entocadas ao invés de correr o risco de pegar um resfriado.
Ele dobrou a esquina e poucos minutos adiante avistou dois jovens vindo em sua direção. Não prestou atenção neles, pois estava absorto em pensamentos. Quantas e quantas vezes cruzara com pessoas que não conhecia nesse mesmo caminho e nem se dava conta disso.
Os dois jovens, ambos aparentando ter em média quinze anos, vinham pelo meio da rua. Contudo, ao verem aquele rapaz andando pela calçada, foram em sua direção.
Num gesto rápido, um dos jovens sacou um revolver e anunciou o assalto.
-- Fica quieto que é um assalto!
O outro agarrou-o pelo pescoço.
-- Passa ao relógio! -- disse o que segurava-o pelo pescoço. Enquanto isso, o outro revistava-lhe os bolsos.
-- Eu não tenho dinheiro! -- esclamou ele, com a voz trêmula. Não era a primeira vez que era assaltado, todavia a presença do cano do revolver encostado em seu pescoço causava-lhe bastante medo. -- Aí só tem documentos! -- falou, quando um dos rapazes abriu sua carteira. O relógio de pulso jazia na mão do outro indivíduo.
-- Tú só tem isso? -- Inquiriu o assaltante armado, após examinar a carteira.
-- Só! -- disse Josué. Seu coração palpitava e uma sensação ruim dominava-o.
-- Vamo embora! Deixa esse filho da puta prá lá! -- disse o rapaz que segurava Josué pelo pescoço. Em seguida, soltou-o. -- Vai! Te manda!
Josué pensou que o pior tinha passado e começou a dar um passo.
-- Isso é pra você aprender a andar sem dinheiro! -- disse o indivíduo com o revolver.
Josué nem mesmo chegou a ouvir o começo da frase. O tiro acertou-lhe na nuca. Não chegou a dar dois passos e caiu. Não viu e não ouviu mais nada. Estava morto.
Os dois rapazes sairam correndo e se perderam pelas ruas do bairro.
-- Por quê você fez aquilo? -- perguntou o outro minutos mais tarde.
-- Porque fiquei com raiva dele por não ter dinheiro. -- respondeu o outro.
Minutos mais tarde, o local ficou tomado de gente. A notícia chegou a casa de Josué pouco depois.
Foi uma dor muito grande para a família de Josué. A mãe ficou tão inconsolável que não conseguiu acompanhar o enterro do filho. A comunidade em peso pedia justiça. Ouve protestos e no dia seguinte a cidade não falava em outra coisa.
O departamento de homicídios chegou a fazer algumas diligências e fazer algumas perguntas e tomar notas, todavia aquele não passava de mais um número nas estatísticas da violência no município. No mesmo dia havia ocorrido mais dois latrocínios, um homicídio, cinco assaltos e dois roubos de carros. Não havia pessoal e tempo disponível para tentar encontrar os culpados por todos aqueles crimes.
Alguns meses depois, os documentos do processo ficaram esquecidos em um arquivo, junto com tantos outros casos não resolvidos.
A única pessoa que lembrou do caso meses mais tarde foi um senhor que estava na delegacia dando queixa por ter seu carro roubado. Durante uma viagem que fazia para o nordeste, de repente a frase dita por um dos investigadores vei-lhe à memória: “Coitado do rapaz! Estava no lugar errado, na hora errada. Se tivesse ficado em casa, ainda estaria vivo...”.
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