Pedi para o Manoel trocar com a minha visinha do sítio ao lado, três coelhos dos meus, por um belo peru para o Natal. Foi rápido: toma lá da cá. Trouxe uma ave enorme, negra luzidia, e pesadona. Que maravilha! Já imaginei aquilo tudo assando no forno e recheado de purê da castanha. A baba me correu pelo queixo.
Botando a ave no chão, no meio do terreiro, Manoel assobiou e o peru, de imediato, respondeu: glu, glu, glu, glu! Meu neto de cinco anos veio correndo, lá de dentro de casa, e pulando e rindo de alegria, assobiou também e escutou, encantado, o peru responder: glu,glu,glu!
- Senta aqui, vovó – diz Daniel apontando um lugar ao seu lado, na escada de cimento. Obedeci.
- Agora assobia, vovó!
Olhei meio encabulada para Manoel – que ria de gosto – e juntando o beiço num bico, assobiei.
- Fiiiiiiiiuuu!
A resposta veio:
- Glu, glu, glu, glu!
O netinho abre as mãozinhas e, balançando a cabeça para trás, me pergunta, encantado:
- Ele não é lindo, vovó?
Olho para o monstrengo: a cabeça é um cabo de guarda chuva de pele cinza e enrugada; os ouvidos são dois pequenos furos; os olhos são quase cobertos pelas pálpebras inchadas; um apêndice longo e mole lhe cobre um dos lados do bico pontudo; não tem queixo, em seu lugar uma barbela larga e cor de rosa balança e, partindo desta pelanca, começa um papo que vai do vermelho e termina com uma sacola enorme sulfurina – cá pra nós, uma aberração da natureza -.
Nisto, o distinto chega em sua kombi e, entrando no clima “peruano”, com um pedaço de pau, faz um círculo grande na areia e põe o peru lá dentro.
- Por que isto, vovô? – perguntou o menino
- Porque esta ave é tão boba que não vai sair fora desta roda – Em seguida ele assobiou.
O peru estufou o corpo todo, abriu o rabo num leque de penas brancas e longas, e, dando um estalo – punft! – com as asas, fica na ponta dos pés - horrorosos! – e dá uma corridinha de bailarina: toc, toc, toc! E pára de repente,com muita elegância, e grugruleja – glu,glu,glu! – continuando a caminhar em roda.
- Senta aqui também, vovô. Olha só que lindeza!
O distinto obedece, com carinho, e juntos, nós assobiamos:
- Fiiiiiiiiiiuuuuuuuu!
Manoel, com seus lábios grossos faz a segunda voz.
O peru, cheio de vento e empáfia, responde e se exibe:
- Glu,glu,glu,glu! – Punft! – Toc, toc, toc.
- Você não vai matar ele, não é, vovó?
- Não! – responde rápido o vovô – nós vamos comprar peixe para o Natal.
Esfregando as mãozinhas, Daniel pergunta assanhado:
- Peixe... é vovô?
- É sim! – se mete Manoel – mas um bem grandão, para caber no seu aquário...
Oh! Céus! Suspiro, desiludida. Enquanto o distinto me abraça e me diz:
- Eu adoro peixe assado no meio de castanhas e recheado de farofa...