Às horas tantas de um dia qualquer, após uma tempestade, um sanhaço ia passando e deu com um colibri desolado.
Não podia seguir viagem sem tentar dar um alento àquele bichinho tão poético e encantador. A própria paisagem, de flores silvestres multicores, atraiu-o fortemente.
Com o coração quase paterno, perguntou ao indefeso beija-flor:
- O que te deixou tão desencantado, menino colibri, acaso sofres de azia e o néctar de alguma flor te fez mal?
- Tenho medo! – dizia ele, roxo e assustado.
– Por estas bandas, nunca me reconheceram como pássaro de bom agouro.
- Mas por quê? – pergunta o sanhaço, cheio de pose...
- Ora, porque o anu está sempre a dar aqueles gritos maledicentes e a matraquear sempre os mesmos grunhidos sem-graça que já se tornaram sua marca registrada.
O colibri ficou a considerar o colega por algum tempo imaginando qual seria sua opinião sobre o assunto, mas o outro apenas considerou:
- Ah! Já sei de quem estás falando. Esse anu só sabe mesmo é gritar, gritar, e gritar. Não te aflijas. Lembra-te do velho ditado:
“Cão que ladra não morde".
- Não morde, mas perturba! Se, mesmo nessa gritaria sem controle, ainda tivesse um repertório decente. Seus desatinos çao repetitivos, sempre os mesmos, com terrível insanidade.
- Mas tu és um colibri ... Só alegras o ambiente onde surges. Todos se encantam com teu esvoaçar brejeiro, cheio de coreografias suaves, como se fosses pétalas de flores aceleradas pelo vento...
- Sou isso tudo. Mas o agourento cismou que tem de disputar o meu vôo. Percebe como ele escurece a natureza quando aparece?
Pensando, com o olhar distante, considerou pausadamente o sanhaço:
- A vida é assim, caro colibri; uns embelezam pela sua graça natural; outros tudo sujam tentando embotar sua própria incapacidade de, simplesmente, viver...
MORAL:
Na Comédia da Vida, há os que acendem luzes e os que tentam apagá-las... Ao menor toque de claridade, porém, as trevas se dissipam, por inteiro. E a LUZ salta em todas as direções.