Dizem que numa casa onde existe uma pessoa depressiva um animal de estimação sempre ajuda a melhorar o ambiente. Foi por isso que a minha tia Josilda, que sofria de depressão bilateral atômica involuntária, um belo dia ganhou um cachorro, chamado Lupe. O cachorro havia pertencido a uma outra tia, cuja filha deu o nome e abusou da integridade física e mental do bichinho nos meses em que este lhe esteve ao alcance. Como resultado desse trauma de infância o cachorro desenvolveu uma personalidade pscótica auto-invasiva, que não admitia intrusões externas em seus relacionamentos afetivos e também era incapaz de sentir dor. Isso significava, resumidamente, que Lupe havia se transformado em um monstro.
Sendo intratável, irrascível e indiferente a coerção física e aos preceitos morais que norteiam as relações entre humanos e canídeos lupinosos desde os primórdios dos primeiros inícios dos tempos imemoriais, e tendo por preceptora uma mulher cujo espírito alquebrado a impedia de agir com a necessária energia e presteza, Lupe logo ascendeu a posições muito honoráveis e a que poucos dogáceos lograram alcançamento, tendo iniciado sua escalada ao assumir o controle da vasta fortuna de tia Josilda através de uma procuração que o designava como administrador geral. A partir daí, dominou o bairro, a cidade, o estado, e todas as empresas de inseticida do mundo.
Foi por essa época que Lupe adquiriu um tipo de modificado de sarna, contrabandeado com fins bélicos de instalações militares secretas na Bielo-Rússia. Ao manuseá-lo para a construção de uma bomba, - Lupe era um déspota que nunca delegava funções - acidentalmente contraiu a doença, que o deixou purulento e asqueroso, numa progressão de assutadora velocidade. Tia Josilda suicidou-se, segundo a explicação veiculada pela imprensa, em um dos delírios de tristeza de que com tanta freqüência foi acometida em seus últimos anos de vida. Reservou-se aos membros da família o direito de inteirarem-se do teor da carta de despedida que, seguindo a etiqueta, ela deixou. Dizia que por estar plenamente convencida de que a convivência faz com que os animais de estimação adquiram as características dos donos, e considerando que Lupe era o que era e ela tendo se tornado seu animal de estimação, era melhor morrer antes que a sarna se manifestasse.
Ainda hoje existe quem defenda que Lupe em verdade tramou a morte de tia Josilda. Se assim o for, de minha parte, que as coisas fiquem como estão. Eu sempre temi e procurei evitar a presença de Lupe, mas tia Josilda uma vez jogara em mim um prato de feijão, e desde então a simples menção de seu nome despertava em mim um sentimento de tão profundo rancor, que cheguei a agradecer aos céus a bem aventurança de sua morte haver ocorrido sem a minha efetiva participação, poupando assim minha alma dos sofrimentos do inferno.
Dizem que numa casa onde existe uma pessoa depressiva um animal de estimação sempre ajuda a melhorar o ambiente. No caso de tia Josilda, isso foi uma grande verdade.