
Caro e nobre vizinho,
ao invés de reclamar,
vou falar-lhe, de mansinho,
para não lhe irritar.
Você dorme na altura,
mas teu piso é bem fino;
meu teto tudo atura
pra não haver desatino.
Depois de muito pensar,
de nobre físico lembro,
que pro real encarar,
inclui coisa como membro.
Coisa manufaturada
que habita seu apê,
depois das dez, tresloucada,
se move como drapê.
Parece que tem alma,
penada inda não digo,
mas de noite não se acalma,
nada lhe serve d"abrigo.
Cá em baixo mora gente,
como lhe disse um dia,
gente idosa, sofrente,
mais a netinha que cria.
Ninguém consegue dormir,
pois suas coisas não param
de pular e sacudir,
mil pés já se arrastaram.
O que faz o seu chinelo,
quando voa pra um canto,
dá inveja em martelo,
de manhã, às seis e tanto.
O batuque do sapato
parece acompanhar
alguém, em fúnebre ato,
muito sério a tocar.
Pra proteger o seu lar
das almas do outro mundo,
melhor providenciar
um tratamento fecundo.
Vá chamar um exorcista
pr"essas almas expulsar;
se demorar, não insista,
outra fé vá contratar.
Há de ter no candomblé
mestre espiritual,
que buscará no axé
a força contra tal mal.
Se nada disso der certo,
coisas manufaturadas
que tenho aqui por perto
vão ser bem utilizadas.
Pra elas ficarem calmas,
e não entrarem em guerra,
vou invocar novas almas,
mais mansas que as da Terra.
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